“O Farense é um clube muito
especial”
Quantos Farenses somos? - Olá,
Besirovic. Encontra-se em Portugal ou na sua Bósnia natal?
Besirovic – Estou na Bósnia,
treino os miúdos de um clube da terceira divisão.
QFS – E continua interessado pelo
Farense?
B – Sim, vou vendo sempre os
resultados pela internet. O meu filho Dino pertence aos quadros do
Académico de Viseu, está emprestado ao Sampedrense [distritais] e
também por isso vejo sempre o que se passa na II Liga.
QFS – Está a correr bem a época
do seu filho?
B – O clube é complicado...
Mas o presidente está muito satisfeito com ele, e este mês vamos
ver como será o seu futuro. Para já, tem mais um ano de contrato
com o Académico de Viseu.
QFS – Gostava de o ver um dia com
a camisola do Farense?
B – Primeiro, gostava de o ver
ser feliz no futebol, e para isso ainda tem de crescer muito. Mas
claro que me sentiria muito orgulhoso se um dia ele representasse o
Farense. Transmitia-lhe os valores do clube, que eu aprendi quando lá
estive. Farense é Farense, é um clube muito especial.
QFS – Ficou no seu coração?
B – Sim, é um clube com muita
mística, que tem de estar na I Liga. Tenho muito respeito pelos
outros clubes do Algarve, o Olhanense, o Portimonense, mas o Farense
é o clube mais representativo da região e merece estar lá em cima.
É um clube especial.
QFS – Consegue explicar o porquê
desse sentimento pelo clube?
B – Nem sei bem. Tem a ver com
os adeptos, a força que transmitem aos jogadores. O público está
muito em cima do campo, vive o jogo com muita intensidade, e o
estádio, a maneira como está desenhado... nós entrávamos em
campo, sentíamos aquela força que vinha do público e só
pensávamos em dar tudo para corresponder ao apoio que estávamos a
receber. Havia ali alguma coisa que puxava por nós, que nos dava
força. Com os grandes então era uma loucura! O Farense era o único
clube do Algarve na I Divisão, estava ali a representar toda uma
região. Nunca vou esquecer, também pela união enorme daquele
plantel. Em grupo, superávamos tudo! Além disso, o outro meu filho
nasceu mesmo ao lado do estádio!
QFS – Lembra-se de algum episódio
em especial que demonstre bem essa união que juntava os jogadores?
B – Lembro-me de um jogo com o
Rio Ave na última jornada [época 97/98] em que precisávamos de
ganhar para ficar na I Divisão e estávamos há quatro ou cinco
meses sem receber ordenados, era o senhor Boronha o presidente. Mas
tínhamos uma união que vi em poucos clubes. O grupo superava tudo.
No balneário antes do jogo conversámos, percebemos que só ganhando
e assegurando a manutenção é que poderíamos sonhar em receber o
que estava em atraso, unimo-nos e entrámos em campo para ganhar. E
fizemos a nossa parte, ganhámos 1-0! [golo de Djukic aos 44']
QFS – Deixou muitos amigos em
Faro?
B – Sim, estou sempre em
contacto com antigos colegas, com antigos membros da direcção. As
vezes que lá fui depois de sair, fui sempre muito bem recebido. Um
dia quando voltar não pode ser de fugida, tenho de ficar muito tempo
para estar com toda a gente.
“Agora é preciso estabilizar o
clube, sem pressas”
QFS – Como classifica a temporada
do Farense?
B – Vejo um clube a ganhar
estabilidade, a levantar-se. Vai demorar para voltar ao patamar onde
esteve nos anos 90, mas é normal, o clube esteve mesmo lá em baixo.
Agora tem de se pensar em ganhar estabilidade. Não é preciso
pressas, é preciso é estabilizar a situação do clube e depois
sim, pensar em tentar voltar ao topo.
QFS – Chegou ao Farense já com 30
anos, e à I Liga com 29. Foi tarde?
B – Passei muito tempo na II
Divisão, é verdade. Também é preciso sorte no futebol. Na
Jugoslávia joguei sempre na I Divisão, depois vim para Portugal e
acabei por estar muito tempo na II. Mas fiquei satisfeito com a minha
carreira, os adeptos dos clubes por onde passei nunca me esqueceram e
fico muito contente por isso. E fiz grandes amigos no futebol, como o
Sérgio Fonseca, que jogou comigo no Académico de Viseu e hoje ainda
joga com o meu filho no Sampedrense. É como um irmão para mim.
QFS – Porque saiu do seu país, na
altura ainda a Jugoslávia?
B – Foi para fugir à guerra.
Assim que ela começou, em 1991, vim para Portugal, então jogar para
o Estrela da Amadora.
QFS – E como se deu o ingresso no
Farense em 97/98? Ganhou a titularidade de forma instantânea!
B – Fiz uma boa época no
Espinho, o Paco Fortes já me conhecia, gostava muito da minha
maneira de jogar e aceitei. A adaptação também foi muito fácil,
estava lá o Punisic, o Djukic, e todos os outros, todos me ajudaram.
QFS – Só faz menos jogos em
99/00: faz o décimo da época à décima jornada e só volta a jogar
à 29ª...
B – Tive de ser operado a uma
lesão nas virilhas, o músculo partiu. Foi chato, estive vários
meses sem poder jogar.
QFS – Tinha a noção que o
Farense tinha estado pouco tempo antes na Taça UEFA e também na
final da Taça de Portugal?
B – Sim, sabia disso, foi
contra o Lyon. E quando cheguei fui posto a par da história do
clube.
QFS – Mas nas suas épocas o
panorama já não foi tão animador. Dava sempre a sensação que o
Farense tinha bons plantéis, mas faltava qualquer coisa para lutar
por mais do que apenas a permanência...
B – Na minha altura o clube já
estava a baixar um pouco. Também tenho essa sensação, faltava
sempre qualquer coisa para um outro nível. Algo fora do campo. O
valor dos jogadores era muito bom, e o ambiente no estádio nem se
fala. Vi ali muitas vezes os grandes entrarem com muito respeito pelo
Farense. Mas o clube atravessava problemas graves de dinheiro e isso
acabava por afetar os jogadores. Não no campo, porque aí nem
pensávamos nisso, só queríamos jogar com garra, com querer para
ganhar os jogos, mas durante a semana sim.
“Tive muita sorte, apanhei gente boa
em todo o lado”
QFS – Sai no fim da época de
2000/01 para o Leixões, que então estava na II B...
B – Foi um convite especial do
Carlos Carvalhal, que tinha jogado comigo no Espinho e estava no
início da carreira como treinador. Não podia recusar. Claro que
tive medo, não conhecia o campeonato da II B, mas acabou por correr
tudo bem.
QFS – Mais que bem, diríamos nós:
na primeira época chegou à final da Taça!
B – Sim, tínhamos uma equipa
espectacular. Ao início nunca esperaria aquilo, o plantel era curto
e nem conseguimos subir nesse ano, que era o principal objectivo. Mas
depois fomos avançando na Taça, fomos eliminando equipas da I Liga
e começámos a acreditar, até que ganhámos em Braga nas
meias-finais. Também encontrei lá uma equipa forte, muito unida,
com jogadores muito experientes, e uma grande mística, os nossos
adeptos iam a todo o lado. Foi indescritível ver aquela bancada no
Jamor cheia de adeptos do Leixões. Nesse aspecto, era como o
Farense.
QFS – E foi muito difícil o jogo
da final para o Sporting...
B – … Que só nos ganhou com
um golo do Jardel em fora de jogo. Fizemos um grande jogo, não
tínhamos nenhuma pressão para ganhar: chegar à final já foi um
grande feito.
QFS – No ano a seguir, mais
glória: subiu e jogou na Taça UEFA e na Supertaça, um feito
assinalável para um clube da II B!
B – Sim, e passámos a
primeira eliminatória depois de ganharmos na Macedónia [ao
Belasica]. Depois calhou-nos o PAOK: ganhámos em casa o primeiro
jogo, mas na Grécia perdemos 4-1. Mas é curioso, mesmo com a
presença na Europa e a subida de divisão, não houve tanta euforia
nos adeptos como no ano anterior!
QFS – Certamente nunca esperava
chegar a uma final da Taça e jogar nas competições europeias já
com 35, 36 anos...
B – Nem me passava pela
cabeça! Mas no futebol nunca se sabe. Tive muita sorte na carreira,
apanhei gente boa em todo o lado.
QFS – Depois ainda voltou ao
Algarve para acabar a carreira!
B – Sim, acabei no Beira-Mar
de Monte Gordo. Foi através de amigos feitos no tempo do Farense,
como o Arménio. Voltei por causa dele.
QFS – Chegou a jogar pela selecção
da Bósnia?
B – Fiz um jogo, creio que
pouco depois de trocar o Espinho pelo Farense. Mas na altura era
complicado ir à selecção, havia muita corrupção, os jogadores
não eram escolhidos pelo mérito. Nos últimos anos entraram pessoas
mais sérias, as coisas mudaram um pouco, mas agora os problemas são
no balneário, com jogadores que têm a mania que são vedetas. Não
estamos preparados para ir ao Mundial.
“Só pensava em suar a camisola e dar
tudo pelo clube”
QFS - Quem foram os melhores
jogadores com quem jogou?
B – Que defrontei, o
Savicevic, que depois passou com grande sucesso pelo Milan. Em
Portugal, o João Pinto: ele pisava muito os terrenos perto de onde
eu andava e era muito difícil jogar contra ele, era muito bom
jogador. O Preud'Homme também, era o melhor guarda-redes da Europa
ou até do mundo, mesmo já com quase 40 anos. Colegas meus, tive o
Zé D'Angola no Académico de Viseu, que era um grande jogador, mas
tinha aquilo a que chamamos uma cabeça pequenina... Mas no Farense,
no Leixões joguei com muitos grandes jogadores, nem consigo
individualizar.
QFS – E treinadores?
B – Aprendi com todos, mas o
Paco Fortes era diferente de todos os outros. Pela raça que
transmitia aos jogadores, pelo querer: ele queria ganhar sempre, dar
tudo, ser o melhor. Como ele não há igual, a forma como ele vivia
os jogos... Se pudesse, entrava em campo! E era espectacular, chegou
a ir a Fátima a pé depois de conseguirmos a manutenção! Também
posso destacar o Carvalhal, que estava a começar mas já na altura
se via que era um treinador de muita qualidade.
QFS – Como se descreveria como
jogador?
B – Não queria ir muito por
aí, porque nunca gostei de falar das minhas qualidades, isso era
para os adeptos verem em campo. Era um médio centro, que tanto podia
jogar mais à frente como mais recuado, mas no Farense fui mais vezes
médio ofensivo; no Leixões, por exemplo, já era mais defensivo.
Corria muito, porque sabia que o caminho para ser jogador não é
fácil e tinha de dar tudo pelo clube e pela camisola. Para mim, suar
a camisola era o mais importante, e muito disso aprendi no Farense,
sabia que os adeptos valorizavam quem trabalhava e ainda hoje deve
ser assim.
QFS – Gostaria de deixar uma
mensagem aos adeptos do Farense?
B – Nunca deixem de acreditar
no clube e de o apoiar. Às vezes é preciso calma, mas sem pressas
tudo poderá voltar a ser como era antes. Um abraço grande para
todos.
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