Farense capa

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sexta-feira, 28 de março de 2014

Besirovic



“O Farense é um clube muito especial”

Quantos Farenses somos? - Olá, Besirovic. Encontra-se em Portugal ou na sua Bósnia natal?

Besirovic – Estou na Bósnia, treino os miúdos de um clube da terceira divisão.

QFS – E continua interessado pelo Farense?

B – Sim, vou vendo sempre os resultados pela internet. O meu filho Dino pertence aos quadros do Académico de Viseu, está emprestado ao Sampedrense [distritais] e também por isso vejo sempre o que se passa na II Liga.

QFS – Está a correr bem a época do seu filho?

B – O clube é complicado... Mas o presidente está muito satisfeito com ele, e este mês vamos ver como será o seu futuro. Para já, tem mais um ano de contrato com o Académico de Viseu.

QFS – Gostava de o ver um dia com a camisola do Farense?

B – Primeiro, gostava de o ver ser feliz no futebol, e para isso ainda tem de crescer muito. Mas claro que me sentiria muito orgulhoso se um dia ele representasse o Farense. Transmitia-lhe os valores do clube, que eu aprendi quando lá estive. Farense é Farense, é um clube muito especial.

QFS – Ficou no seu coração?

B – Sim, é um clube com muita mística, que tem de estar na I Liga. Tenho muito respeito pelos outros clubes do Algarve, o Olhanense, o Portimonense, mas o Farense é o clube mais representativo da região e merece estar lá em cima. É um clube especial.

QFS – Consegue explicar o porquê desse sentimento pelo clube?

B – Nem sei bem. Tem a ver com os adeptos, a força que transmitem aos jogadores. O público está muito em cima do campo, vive o jogo com muita intensidade, e o estádio, a maneira como está desenhado... nós entrávamos em campo, sentíamos aquela força que vinha do público e só pensávamos em dar tudo para corresponder ao apoio que estávamos a receber. Havia ali alguma coisa que puxava por nós, que nos dava força. Com os grandes então era uma loucura! O Farense era o único clube do Algarve na I Divisão, estava ali a representar toda uma região. Nunca vou esquecer, também pela união enorme daquele plantel. Em grupo, superávamos tudo! Além disso, o outro meu filho nasceu mesmo ao lado do estádio!

QFS – Lembra-se de algum episódio em especial que demonstre bem essa união que juntava os jogadores?

B – Lembro-me de um jogo com o Rio Ave na última jornada [época 97/98] em que precisávamos de ganhar para ficar na I Divisão e estávamos há quatro ou cinco meses sem receber ordenados, era o senhor Boronha o presidente. Mas tínhamos uma união que vi em poucos clubes. O grupo superava tudo. No balneário antes do jogo conversámos, percebemos que só ganhando e assegurando a manutenção é que poderíamos sonhar em receber o que estava em atraso, unimo-nos e entrámos em campo para ganhar. E fizemos a nossa parte, ganhámos 1-0! [golo de Djukic aos 44']

QFS – Deixou muitos amigos em Faro?

B – Sim, estou sempre em contacto com antigos colegas, com antigos membros da direcção. As vezes que lá fui depois de sair, fui sempre muito bem recebido. Um dia quando voltar não pode ser de fugida, tenho de ficar muito tempo para estar com toda a gente.



“Agora é preciso estabilizar o clube, sem pressas”

QFS – Como classifica a temporada do Farense?

B – Vejo um clube a ganhar estabilidade, a levantar-se. Vai demorar para voltar ao patamar onde esteve nos anos 90, mas é normal, o clube esteve mesmo lá em baixo. Agora tem de se pensar em ganhar estabilidade. Não é preciso pressas, é preciso é estabilizar a situação do clube e depois sim, pensar em tentar voltar ao topo.

QFS – Chegou ao Farense já com 30 anos, e à I Liga com 29. Foi tarde?

B – Passei muito tempo na II Divisão, é verdade. Também é preciso sorte no futebol. Na Jugoslávia joguei sempre na I Divisão, depois vim para Portugal e acabei por estar muito tempo na II. Mas fiquei satisfeito com a minha carreira, os adeptos dos clubes por onde passei nunca me esqueceram e fico muito contente por isso. E fiz grandes amigos no futebol, como o Sérgio Fonseca, que jogou comigo no Académico de Viseu e hoje ainda joga com o meu filho no Sampedrense. É como um irmão para mim.

QFS – Porque saiu do seu país, na altura ainda a Jugoslávia?

B – Foi para fugir à guerra. Assim que ela começou, em 1991, vim para Portugal, então jogar para o Estrela da Amadora.

QFS – E como se deu o ingresso no Farense em 97/98? Ganhou a titularidade de forma instantânea!

B – Fiz uma boa época no Espinho, o Paco Fortes já me conhecia, gostava muito da minha maneira de jogar e aceitei. A adaptação também foi muito fácil, estava lá o Punisic, o Djukic, e todos os outros, todos me ajudaram.



QFS – Só faz menos jogos em 99/00: faz o décimo da época à décima jornada e só volta a jogar à 29ª...

B – Tive de ser operado a uma lesão nas virilhas, o músculo partiu. Foi chato, estive vários meses sem poder jogar.

QFS – Tinha a noção que o Farense tinha estado pouco tempo antes na Taça UEFA e também na final da Taça de Portugal?

B – Sim, sabia disso, foi contra o Lyon. E quando cheguei fui posto a par da história do clube.

QFS – Mas nas suas épocas o panorama já não foi tão animador. Dava sempre a sensação que o Farense tinha bons plantéis, mas faltava qualquer coisa para lutar por mais do que apenas a permanência...

B – Na minha altura o clube já estava a baixar um pouco. Também tenho essa sensação, faltava sempre qualquer coisa para um outro nível. Algo fora do campo. O valor dos jogadores era muito bom, e o ambiente no estádio nem se fala. Vi ali muitas vezes os grandes entrarem com muito respeito pelo Farense. Mas o clube atravessava problemas graves de dinheiro e isso acabava por afetar os jogadores. Não no campo, porque aí nem pensávamos nisso, só queríamos jogar com garra, com querer para ganhar os jogos, mas durante a semana sim.


“Tive muita sorte, apanhei gente boa em todo o lado”

QFS – Sai no fim da época de 2000/01 para o Leixões, que então estava na II B...

B – Foi um convite especial do Carlos Carvalhal, que tinha jogado comigo no Espinho e estava no início da carreira como treinador. Não podia recusar. Claro que tive medo, não conhecia o campeonato da II B, mas acabou por correr tudo bem.

QFS – Mais que bem, diríamos nós: na primeira época chegou à final da Taça!

B – Sim, tínhamos uma equipa espectacular. Ao início nunca esperaria aquilo, o plantel era curto e nem conseguimos subir nesse ano, que era o principal objectivo. Mas depois fomos avançando na Taça, fomos eliminando equipas da I Liga e começámos a acreditar, até que ganhámos em Braga nas meias-finais. Também encontrei lá uma equipa forte, muito unida, com jogadores muito experientes, e uma grande mística, os nossos adeptos iam a todo o lado. Foi indescritível ver aquela bancada no Jamor cheia de adeptos do Leixões. Nesse aspecto, era como o Farense.




QFS – E foi muito difícil o jogo da final para o Sporting...

B – … Que só nos ganhou com um golo do Jardel em fora de jogo. Fizemos um grande jogo, não tínhamos nenhuma pressão para ganhar: chegar à final já foi um grande feito.

QFS – No ano a seguir, mais glória: subiu e jogou na Taça UEFA e na Supertaça, um feito assinalável para um clube da II B!

B – Sim, e passámos a primeira eliminatória depois de ganharmos na Macedónia [ao Belasica]. Depois calhou-nos o PAOK: ganhámos em casa o primeiro jogo, mas na Grécia perdemos 4-1. Mas é curioso, mesmo com a presença na Europa e a subida de divisão, não houve tanta euforia nos adeptos como no ano anterior!

QFS – Certamente nunca esperava chegar a uma final da Taça e jogar nas competições europeias já com 35, 36 anos...

B – Nem me passava pela cabeça! Mas no futebol nunca se sabe. Tive muita sorte na carreira, apanhei gente boa em todo o lado.

QFS – Depois ainda voltou ao Algarve para acabar a carreira!

B – Sim, acabei no Beira-Mar de Monte Gordo. Foi através de amigos feitos no tempo do Farense, como o Arménio. Voltei por causa dele.



QFS – Chegou a jogar pela selecção da Bósnia?

B – Fiz um jogo, creio que pouco depois de trocar o Espinho pelo Farense. Mas na altura era complicado ir à selecção, havia muita corrupção, os jogadores não eram escolhidos pelo mérito. Nos últimos anos entraram pessoas mais sérias, as coisas mudaram um pouco, mas agora os problemas são no balneário, com jogadores que têm a mania que são vedetas. Não estamos preparados para ir ao Mundial.



“Só pensava em suar a camisola e dar tudo pelo clube”

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

B – Que defrontei, o Savicevic, que depois passou com grande sucesso pelo Milan. Em Portugal, o João Pinto: ele pisava muito os terrenos perto de onde eu andava e era muito difícil jogar contra ele, era muito bom jogador. O Preud'Homme também, era o melhor guarda-redes da Europa ou até do mundo, mesmo já com quase 40 anos. Colegas meus, tive o Zé D'Angola no Académico de Viseu, que era um grande jogador, mas tinha aquilo a que chamamos uma cabeça pequenina... Mas no Farense, no Leixões joguei com muitos grandes jogadores, nem consigo individualizar.

QFS – E treinadores?

B – Aprendi com todos, mas o Paco Fortes era diferente de todos os outros. Pela raça que transmitia aos jogadores, pelo querer: ele queria ganhar sempre, dar tudo, ser o melhor. Como ele não há igual, a forma como ele vivia os jogos... Se pudesse, entrava em campo! E era espectacular, chegou a ir a Fátima a pé depois de conseguirmos a manutenção! Também posso destacar o Carvalhal, que estava a começar mas já na altura se via que era um treinador de muita qualidade.

QFS – Como se descreveria como jogador?

B – Não queria ir muito por aí, porque nunca gostei de falar das minhas qualidades, isso era para os adeptos verem em campo. Era um médio centro, que tanto podia jogar mais à frente como mais recuado, mas no Farense fui mais vezes médio ofensivo; no Leixões, por exemplo, já era mais defensivo. Corria muito, porque sabia que o caminho para ser jogador não é fácil e tinha de dar tudo pelo clube e pela camisola. Para mim, suar a camisola era o mais importante, e muito disso aprendi no Farense, sabia que os adeptos valorizavam quem trabalhava e ainda hoje deve ser assim.

QFS – Gostaria de deixar uma mensagem aos adeptos do Farense?

B – Nunca deixem de acreditar no clube e de o apoiar. Às vezes é preciso calma, mas sem pressas tudo poderá voltar a ser como era antes. Um abraço grande para todos.


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