“Farense melhorou bastante com Jorge Paixão”
Quantos Farenses somos? - Olá, Caniggia. Ainda está a
jogar no Louletano, como está a correr?
Caniggia – Comparado com os anos anteriores, a
situação está bem melhor agora. O objetivo é a permanência e devemos conseguir
assegurá-la.
QFS – É diferente ter o Manuel Balela, também ele uma
grande figura na história do Farense, como treinador?
C – Obviamente que o míster Balela tem um conhecimento
profundo da equipa, do futebol algarvio e exige sempre o máximo dos jogadores.
Todos os outros treinadores que tivemos eram competentes, atenção, mas toda a
gente falha e quando as coisas não correm bem no futebol, já se sabe que a
culpa é sempre do treinador. Neste caso, é uma questão de haver agora um maior
compromisso com o treinador e o clube.
QFS – E continua a seguir o Farense?
C – Claro que sim, joguei aí cinco anos e tenho muita
gente conhecida no clube e em Faro, tenho ligação com vários jogadores do atual
plantel e também com alguns adeptos. Estou sempre a acompanhar.
QFS – O clube do coração, porém, é mesmo o Louletano?
C – Foi o Louletano que me deu a oportunidade de me
lançar e que me tem acolhido sempre. Salvo erro, esta é a quinta vez que saio e
regresso. Isto pesa, não é? De qualquer forma, se há outro clube por quem nutro
enorme simpatia e respeito, é o Farense.
QFS – Como classifica esta época da equipa?
C – No início, foi de muita preocupação. Todos os
adeptos, os jogadores, a estrutura, estavam preocupados com os fracos
resultados. Depois, com a chegada do [Jorge] Paixão, a situação melhorou
bastante. De qualquer forma, todos sabíamos que este não era um ano de subida.
Claro que o Farense é um clube com pergaminhos, tem sempre de ter ambição, mas
tínhamos de ser realistas.
QFS – Mas acredita num Farense na I Liga num futuro
próximo?
C – Se há um clube que, pela sua história e
envolvimento dos adeptos, merece estar na I Liga, é o Farense. Qualquer
conhecedor do futebol algarvio sabe que na região, o clube cujo envolvimento
dos adeptos é mais forte é o Farense, não tem comparação com mais nenhum. Esperemos
que volte rapidamente ao que já foi, faz falta na I Liga. Até para o bem do
futebol algarvio, é bom ter várias equipas lá em cima, é bom para o
desenvolvimento dos jovens valores do Algarve e também para equilibrar o
panorama do futebol em Portugal: está tudo muito virado para o Norte…
QFS – Conhece bem o professor Antero. A equipa está em
boas mãos?
C – O melhor elogio que lhe posso fazer é este: é
competente e gosta muito, muito do Farense. Ajudou-me muito. Não me compete
dizer se deve ficar mais tempo, também não sei quais os objetivos que a
direcção vai estabelecer para a próxima época, o que posso dizer é que o Antero
é uma pessoa competente e adora o clube.
“Quando cheguei em 2001/02 o Farense estava ligado à máquina”
QFS – Chegou ao Farense em 2001/02, com 24 anos, vindo da
II B. Como se deu essa oportunidade?
C – Dei nas vistas no Louletano na época anterior e
ter o clube mais emblemático do Algarve, na I Liga, a querer-me contratar foi
um salto grande, o alcançar de um objetivo para o qual trabalhei muito. Não
esqueço a estreia, logo na primeira jornada com o Salgueiros.
QFS – Infelizmente a época não foi feliz…
C – O clube já estava ligado à máquina naquele ano. E
curiosamente, senti o clube mais forte na segunda passagem, mesmo estando
primeiro na III Divisão. Parece que as pessoas em 2001/02 já estavam
conscientes do que poderia acontecer e estavam mais desligadas já do clube.
Felizmente agora a situação mudou muito para melhor.
QFS – Curiosamente, o Caniggia fez 12 jogos para o
campeonato nessa temporada, e todos como suplente utilizado! Porque é que nunca
foi titular?
C – Sinceramente, não faço ideia! E tivemos quatro
treinadores nesse ano: Alberto Pazos, até o Hajry nalguns jogos, depois o Jorge
Castelo e ainda o Paco Fortes. Além disso, houve duas administrações, foi um
ano muito difícil.
QFS – Já se previa o que viria a acontecer depois?
C – Nunca pensámos que pudesse chegar ao extremo do
clube acabar. Sabíamos que estava muito complicado, mas acabou por ir mais
longe do que esperávamos.
QFS – E depois da travessia no deserto que o clube
atravessou, acreditou que o cenário actual era possível?
C – Sinceramente, houve uma altura que, tal como muita
gente, não acreditava, sentimos mesmo que não havia solução. Depois, a partir
do momento em que vimos o trabalho que estava a ser feito pelo ressurgimento do
clube, aí sentimos que era possível. Foi uma recuperação brutal, é um trabalho
que ficará para sempre.
“Sou Caniggia pelo cabelo, marcava menos uns golos que o
verdadeiro…”
QFS – Tirando uma passagem pelo Estoril e outra pelos
Açores, no União Micaelense, só jogou em clubes algarvios!
C – É verdade, consegui sempre ficar aqui em baixo. Era
um pouco a minha zona de conforto, achei sempre que seria melhor estar perto da
família.
QFS – No Estoril, disputou a II Liga…
C – Foi uma experiência fantástica, a minha primeira
num campeonato profissional. Aprendi muito com o Pietra, o Rui Águas, o Isidro
Beato, que foram meus treinadores lá. Errei muito, é verdade, mas é assim que
se aprende também.
QFS – O Caniggia, de resto, pode dizer que já atuou em
todas as divisões nacionais de Portugal!
C – É verdade! Mas curiosamente o futebol jogado nas
várias divisões não é assim tão diferente, é até bastante idêntico. Claro que
há mais qualidade aqui e ali, nos escalões superiores é normal que assim seja,
e as primeiras divisões claro que são mais mediáticas, mas o jogo em si não tem
grandes diferenças.
QFS – Na primeira passagem pelo Farense era
extremo-direito, mas na última jogou quase sempre como lateral! Como se deu
essa mudança?
C – Eu fui extremo até aos 31 anos. Um dia, num jogo
houve uma substituição e calhou recuar. Correu-me bem e a partir daí comecei a
alternar as posições, mas depois já no Farense realmente joguei a lateral já de
forma mais constante. Ainda fiz alguns jogos como interior direito,
particularmente no tempo do Rui Esteves.
QFS – Apesar de ser extremo, na primeira passagem não
marcou qualquer golo…
C – Estive perto algumas vezes, lembro-me por exemplo
com o Leiria, mas não consegui. Foi uma época conturbada, também não havia
muita gente a marcar golos no Farense… Desta segunda vez já fiz uns três
golitos.
QFS – E porquê a alcunha Caniggia, visto que o seu nome
verdadeiro é David Hopffer?
C – O Caniggia já vem dos juniores no Louletano. Nessa
época, o verdadeiro Caniggia chegou ao Benfica, e como eu tinha também o cabelo
comprido, começaram a chamar-me assim.
QFS – Mas marcava menos uns golitos! (risos)
C – Alguns a menos, sim. Mas eu nos juniores até
marcava, jogava mais como avançado.
“Imagem dos adeptos a confortar-nos na descida de 2010/11 não
me sairá da cabeça”
QFS – Porque saiu no fim de 2001/02, após a descida à II
Liga?
C – Ainda fiquei para a época seguinte, mas acabei por
rescindir na pré-época. A situação já estava a ficar insustentável, não havia
condições para ficar.
QFS – Nunca mais teve uma oportunidade de jogar na I Liga?
C – Não, nunca mais se proporcionou. Se calhar faltou
um bom empresário… Cheguei a ter convites para a II Liga, na altura para o
Portimonense, mas depois não aconteceu.
QFS – Como se deu o regresso ao Farense em 2008/09?
C – Comecei a pensar de forma diferente, já tinha 31
anos e quis entrar no mercado de trabalho, o que tornou complicada a
permanência no Louletano, que treinava duas vezes por dia. Por isso aceitei ir
para o Farense, que na altura estava na III Divisão. Mesmo assim, em Faro na
última época a equipa treinava de manhã e eu treinava à noite sozinho, com o
Antero.
QFS – Foi por isso que não ficou para o ataque à II B em
2012/13?
C – Sim. O clube propôs-me continuar, mas depois
decidiu que ia passar a fazer treinos de manhã e de tarde, e isso era
insustentável para mim, por causa do meu emprego. Já não estava em idade de
corresponder às exigências do futebol profissional, por isso fui falar com o
presidente Barão. E ele compreendeu a minha situação, claro.
QFS – Depois da alegria que foi a subida à II B em
2009/10, foi uma grande desilusão descer novamente em 2010/11, em casa com o Atlético
de Reguengos?
C – Foi uma coisa muito triste, pela maneira como
aconteceu. Depois de termos feito uma recuperação extraordinária na segunda
volta com o João de Deus, onde nem pudemos inscrever jogadores novos, na última
jornada só precisávamos de empatar em casa e estivemos a ganhar e a jogar algum
tempo com mais um. Se calhar pensámos que estava feito e acabámos por nos
acomodar um pouco ao resultado. E perdemos… Mas o público teve uma reação
fantástica, entrou no campo e veio confortar-nos. Foi uma imagem que nunca me
sairá da cabeça.
QFS – João de Deus é um bom treinador? Hoje está no Gil
Vicente…
C – É muito bom, gostávamos muito dele. Em termos de
estratégia, de preparação dos jogos, era muito meticuloso. Mas o Rui Esteves, o
Ivo, também eram muito bons, muito profissionais, faziam do futebol e do
Farense a sua vida.
QFS – Mas a equipa reagiu da melhor forma no ano seguinte.
C – Foi um ano em que correu tudo bem, batemos
recordes nacionais de imbatibilidade, só perdemos dois jogos já na fase da
subida. No fim subimos de forma natural.
QFS – Mesmo nessas divisões mais secundárias, o apoio dos
adeptos nunca vos faltou?
C – Nunca. Se há alguma coisa que qualquer atleta do
Farense não tem razões de queixa, é do apoio dos adeptos. Eles têm um grande
compromisso com o clube, nunca falham. Ficarão para sempre na minha memória,
até porque na última época fui considerado pelos South Side o jogador que mais
produziu, ao fim e ao cabo o jogador do ano. Recebi o troféu com o nome do
falecido Joaquim Sequeira. Isto marca qualquer atleta, foi um dos momentos
altos da minha carreira.
QFS – Vai sempre recordar com saudade os anos que jogou no
Farense, presumo então…
C – Claro, foram anos que me marcaram. Naquele clube
houve sempre uma simbiose perfeita entre os jogadores e os treinadores com os
adeptos. É essa a festa do futebol, e os South Side são um dos exemplos do
porquê do Farense ser tão grande.
QFS – Como foi voltar ao São Luís a época passada como
adversário?
C – Não tive razões de queixa, fui bem recebido como
sempre. Claro que competição é competição, e quando começa o jogo só quero
vencer pela minha equipa, no caso o Louletano, mas sempre com o máximo respeito
de parte a parte.
“Hassan era uma força bruta, um goleador nato"
QFS – Nunca pensou sair do país?
C – Pensei, aos 20 anos cheguei a estar na Coreia do
Sul e na Alemanha. Na Coreia estive três semanas, mas ao fim da primeira já me
queria vir embora. Tinha 20 anos, a cultura era completamente diferente e
fez-me muita confusão. Hoje olho para trás e recordo a experiência com saudade
(risos).
QFS – E na Alemanha, porque não ficou?
C – Porque não me quiseram (risos)! Estive à
experiência no Duisburgo, mas acabei por não ficar.
QFS – E porquê a experiência nos Açores em 2004/05?
C – Foi um convite do Isidro Beato, que tinha sido meu
treinador no Estoril.
QFS – No ano seguinte, representou a terceira equipa
algarvia da carreira, o Silves, que na altura estava na II B…
C – Tenho de agradecer ao Silves, porque nesse ano
tive uma ruptura de ligamentos, estive vários meses parado e o Silves deu-me a
oportunidade de competir nos últimos meses da época até voltar ao Louletano
depois.
QFS – Chegou a lutar pela subida à II Liga pelo Louletano!
C – Éramos treinados pelo Portela [outra velha glória
do Farense]. A ambição nesse ano era mesmo de subir, acabámos com os mesmos
pontos do primeiro [Real Massamá], mas perdemos no confronto directo. Nos
últimos anos o clube tem baixado o orçamento, não fugiu à regra de quase todos
no futebol português, agora é só para a permanência.
Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?
H – No Estoril, Mauro Airez, que era muito bom
avançado, ou o Paulo Ferreira, que na altura jogava a médio centro, muito antes
de ser lateral-direito com o Mourinho. No Farense, o Hassan, uma força bruta,
um goleador nato. E um espanhol, o Rodri, que vinha da formação do Real Madrid.
E no Louletano, o Pagani, um jogador de grande classe.
QFS – E treinadores?
C – Todos me marcaram. Houve momentos bons e menos
bons com todos, não vou referir nenhum em especial.
QFS – Além das duas subidas de divisão com o Farense e a
estreia na I Liga, que outros momentos altos teve na carreira?
C – Algumas eliminatórias da Taça pelo Louletano, onde
eliminámos o Setúbal do Jorge Jesus, o Santa Clara, o Penafiel… Pelo Estoril,
ganhámos no Restelo, o que na altura era um grande feito, fomos ganhar a casa
do Moreirense…
QFS – No ano em que eliminam o Setúbal, depois receberam o
Benfica! Jogou esse jogo?
C – Joguei e correu-me muito bem. Se calhar também
pode ter ajudado ao interesse do Farense em mim. Perdemos 3-1, mas quando
marcámos o golo foi uma festa imensa. Era a festa da Taça.
QFS – Tem 37 anos. Até quando vai continuar a jogar?
C – Agora é semana a semana (risos)! Não me posso dar
ao luxo de fazer grandes projecções. Enquanto sentir que sou útil à equipa, vou
continuar, tenho essa obrigação. Por agora, continuo a senti-lo.
QFS – Quer deixar uma mensagem aos adeptos do Farense?
C – Que continuem a ser um exemplo.
Grande amigo!
ResponderEliminarUm abraço e obrigado pelas alegrias que nos déste!