Farense capa

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sábado, 8 de março de 2014

Paixão

 


“Gostei de todas as épocas que passei no Farense”

Quantos Farenses somos? - Olá, Paixão. Como está? Continua ligado ao futebol, depois de ter treinado o Algarve United na época passada?

Paixão – Não, este ano estou afastado do futebol. Estou a trabalhar na Câmara de Vila Real [de Santo António].

QFS – Continua a seguir o Farense?

P – Sim. Não tenho conseguido ver jogos, este ano ainda não vi nenhum, mas sigo os resultados pela comunicação social. Penso que esta direcção está a fazer um bom trabalho, tem de se lhe dar valor. O Farense esteve muito em baixo e agora está bem, está no bom caminho.

QFS – Recorda com saudade os anos que jogou em Faro?

P – Claro que sim, porque passei lá muitos bons momentos. Nem consigo destacar uns mais do que outros, porque gostei muito de todas as épocas que joguei no Farense. Mas pronto, o momento alto terá sido o do ano em que nos apurámos para a Taça UEFA [94/95]. Foi uma loucura, Faro parou. Foram os dois momentos mais altos da história do clube, a finalíssima da Taça [em 89/90] e a ida à Europa.



QFS – Essa época foi inesquecível, com vários resultados históricos.

P – Só empatámos com o Sporting em casa, de resto ganhámos aos grandes todos. Ganhámos 5-1 ao Leiria, se não me engano, e eles tinham uma grande equipa nesse ano. Ganhámos ao Boavista, ao Marítimo… Mas claro que o 4-1 ao Benfica foi um momento de alegria inexplicável, foi uma loucura. Não era qualquer equipa que conseguia esse resultado com o Benfica.

QFS – Ficou de fora dos jogos com o Lyon. Estava lesionado?

P – Sim, estava a recuperar de uma operação feita no fim da época anterior. Foi uma pena, fiquei tão perto de jogar nas competições europeias, mas é assim a vida.

QFS – Chegou a capitanear a equipa, se não estamos em erro…

P – Fui capitão, sim. Durante algum tempo fiz parte da hierarquia e quando saiu o Hajry e também o Hassan passei para principal.



QFS – Como foi saltar directamente da II B, no Lusitano VRSA, para a I Liga?

P – Não me custou nada adaptar, porque encontrei lá ex-colegas como o [Miguel] Serôdio, o Hugo, o Lima, e treinadores também já conhecia o falecido Joaquim Sequeira, o Fanã, o [Manuel] Balela. Foi fácil para mim. E ainda por cima estava perto de casa, qualquer coisa ia a Monte Gordo (risos).





“O Bilro é um bocadinho mais vaidoso que eu”

QFS – Tem a noção de que para os adeptos é um ícone desse Farense?

P – Acho que isso se deve à imagem que eu transmitia, o querer. Fui um jogador que sempre trabalhei, sempre mostrei garra, vontade, e as pessoas olhavam muito para isso.

QFS – Há até quem compare agora o Gualter Bilro a si pelo estilo de jogo e se calhar também pelo cabelo (risos)…

P – Ele é um bocadinho mais vaidoso (risos)! Usa bandeletes, eu nunca usei nada dessas coisas. Mas conheço-o bem, joguei com ele no Beira-Mar [de Monte Gordo] e é um rapaz com muito valor. Muito trabalhador, é um grande profissional e ainda pode chegar longe.

QFS – Marcava muito poucos golos – pelo Farense, a nível oficial só marcou um já na última época da primeira estadia (98/99) e de penalty. Porquê?

P – Fazia o que me pediam, e as ordens que tinha eram só para defender. Tinha de me adaptar às necessidades da equipa, e fi-lo sempre. Mas eu marquei vários golos nos outros clubes por onde passei. Antes de chegar ao Farense, era médio ofensivo no Lusitano e marcava alguns golos. E no último ano de carreira, no Beira-mar, joguei a ponta de lança e marquei quase 20 golos!

QFS – E como surgiu esse golo de penalty, assim de repente?

P – Aí já foi uma questão de estatuto. Eu era o capitão e assumi a marcação do penalty.

QFS – No Farense jogou em várias posições…

P – Era lateral-esquerdo, mas joguei a central, a lateral-direito, a trinco… Sentia-me bem em qualquer posição, só queria era ajudar a equipa.

QFS – Continua a ser saudado em Faro pelos adeptos?

P – Sim, deixei lá muitos amigos. Só tenho a dizer bem do clube e de toda a gente. Quando lá vou, muita gente reconhece-me, fala comigo não só de futebol, mas de tudo um pouco.



“Nunca seria capaz de pôr o Farense em tribunal”
QFS – Porque saiu no fim de 98/99?

P – Por divergências com o treinador, o senhor João Alves. Para mim, as pessoas têm de ser sinceras e frontais. Estava em fim de contrato, o clube propôs-me a renovação (o próprio João Alves queria que eu ficasse), mas preferi sair.

QFS – Que divergências foram essas?

P – Naquela altura eu só contava para os jogos fora, em casa nunca jogava. Questionei o porquê disso acontecer, porque se era bom para jogar fora, também servia para jogar em casa. Acho que interpretaram mal isso e não gostaram, foi por isso. Mas ainda hoje falo com o João Alves, ele chegou a convidar-me para ir com ele para outros clubes. Não tenho problemas com ninguém.

QFS – Chegou a ter convites de outros clubes?

P – Tive vários, de clubes da I Liga e de Espanha. Mas nunca quis sair, eu gostava de estar no Farense, sentia-me bem lá. E nunca pus o clube em tribunal, nem hei-de meter. Saí de consciência tranquila. Depois da última época (2003/04), deram-me sempre a palavra que me iam pagar depois os vários meses de salários em atraso e eu acreditei sempre – até hoje, não pagaram nada. Mas o Farense é o Farense, nunca o vou pôr em tribunal.

QFS – Mas nunca sonhou chegar ainda mais alto?

P – Qualquer jogador o quer, mas depois acabou por não acontecer. Quando estive na Naval, queriam que renovasse, mas depois o Paco [Fortes] convidou-me para ir com ele para o Imortal e não podia recusar. Mas foi um projecto completamente falhado, a direcção era uma só pessoa, o presidente [Fernando Barata]. Depois o José Veiga mandava jogadores do Brasil que não tinham qualidade mas tinham de jogar, aquilo foi um pandemónio. O objectivo era subir à I Liga, mas a equipa acabou por descer. Rescindi a meio, nem cheguei ao fim da época.



QFS – Porque voltou ao Farense em 2003/04?

P – Foi para ajudar. Estava em Monte Gordo, mas as pessoas da direcção falaram comigo e acabei por aceitar. Não correu muito bem, porque o Farense já estava muito mal, não havia dinheiro e o plantel tinha muitos jogadores muito novos, muito inexperientes.

QFS – Que sentiu quando o clube acabou?

P – Ficámos todos muito tristes. O Farense sempre teve muitos problemas a nível financeiro, mas os grandes profissionais que ali jogavam não deixavam cair o clube. Continuo a falar com muitos deles, o Miguel [Serôdio], o Hugo, o Portela, o Hassan, a malta toda. Ficou uma grande amizade. Só assim é que conseguíamos suportar as crises financeiras do clube. Chegámos a ter seis, sete meses de salários em atraso, mas confiávamos muito nas pessoas, acreditávamos sempre que tudo se resolveria.

QFS – Mais tarde teve uma aventura em Espanha…

P – No San Roque de Lepe. Eles conheciam-me por ser dali perto, convidaram-me e aceitei. Foi uma excelente época, subimos à II B. Tínhamos uma boa equipa, o treinador era um rapaz sério. Gostei muito da experiência.


"Stevanovic era jogador, um craque"
QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

P – O Hassan era um fora de série, uma máquina de marcar golos. E como o Hajry, havia poucos. Tinha uma qualidade técnica muito acima da média. E houve um rapaz jugoslavo, o Stevanovic. Esse era jogador, muito bom mesmo. Era um craque do futebol. Não precisava de treinar, só de jogar. Curiosamente, ganhámos 1-0 ao Porto em 93/94 com um golo de cabeça dele, que era o seu ponto mais fraco. Lembro-me bem do lance, o Hajry marcou o canto e ele apareceu de cabeça.

QFS – E treinadores?

P – O Paco Fortes, claro. Mas o João Alves também era bom treinador, nos métodos de trabalho, durante os jogos, estava muito à frente. E aqui no Lusitano também tive um grande treinador, o senhor José Neto.

QFS – A experiência de treinador é para repetir?

P – Sinceramente, gostei muito e gostava de repetir. As experiências que tive não foram muito boas, porque tanto o Beira-Mar como o Algarve United acabaram nesses anos, mas os miúdos gostaram de trabalhar comigo, ainda hoje quando me encontram é “míster para aqui, míster para ali”. Sou um homem do futebol, sabe… Sinto que tenho coisas que posso transmitir, que posso ensinar. Quem sabe se não se vai proporcionar qualquer coisa na próxima época…

QFS – Como é o Paixão treinador?

P – Sou sério como era a jogar, levo tudo com muito rigor. Tinha familiares na minha equipa, o meu irmão, os meus primos, e não é fácil, é bastante mais difícil do que ser jogador. Tem de se ser um bom condutor de homens, basta ver o Mourinho. Ele une o balneário, os jogadores não falam mal dele, dão tudo por ele.


“Quando entrávamos e víamos aquele público, só queríamos ganhar por eles”

QFS – Desde 1994 para cá, diz-se que muito da força do Farense vem da sua claque, os South Side. Concorda?

P – Sem dúvida, mas não é só a claque, também o resto dos sócios e dos simpatizantes. É uma massa adepta muito forte, dão muita força aos jogadores, e cada vez mais, pelo que vou sabendo. Sempre me dei muito bem com os South Side, no último ano eu, o Hassan, o Carlos Costa íamos a alguns jantares que eles organizavam, falávamos muito com eles.

QFS – Tem algum recado especial para todos os adeptos?

P - Um abraço grande aos adeptos, a quem trabalha no clube, que tem feito um bom trabalho, e aos jogadores, claro, porque sem eles o clube não vai para a frente. Que a massa associativa continue sempre assim, a fazer do S. Luís um inferno para os adversários.

QFS – Essa ideia do inferno do S. Luís é mesmo real?

P – Sim, sempre foi. Os jogadores adversários, treinadores e até os jornalistas, todos diziam isso.

QFS – E a que se deve esse sentimento?

P – Era pela garra enorme que apresentávamos no campo, o campo curto, os adeptos muito próximos do relvado. É diferente ter os adeptos a 100 metros de nós do que tê-los mesmo ali em cima. Ir ao S. Luís não era só para enfrentar a equipa do Farense, era o público também. Nós jogadores quando entrávamos em campo, ouvíamos o hino e víamos as pessoas na bancada sentíamos logo aquele frio na barriga, sentíamos “Eles estão connosco, este pessoal todo, eles merecem que ganhemos por eles”.

QFS – Fica para sempre com o Farense no coração?

P - Sempre. O Farense é o Farense, vai ficar para sempre no coração. Os farenses costumam dizer que quem é de Faro, é Farense e é verdade. Eu não sou de Faro, mas fiquei para sempre farense.

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