Farense capa

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sábado, 25 de abril de 2015

Alexandre Alhinho



“É um prazer ver o Farense a jogar no S. Luís”

Quantos Farenses somos? - Olá, Alexandre. Já deixou de jogar há muitos anos, que faz actualmente?

Alexandre Alhinho – Depois de deixar de jogar, acabei a licenciatura em Educação Física em Lisboa, na Faculdade de Motricidade Humana, e voltei para Cabo Verde, onde sou professor de Educação Física e Administração e Gestão desportiva. Já fui seleccionador de Cabo Verde, levei a equipa à primeira fase de qualificação para um Mundial, o de 2006. Quando cheguei estávamos em 162º no ranking da FIFA, comigo recuperámos 80 lugares! Fiz a travessia do deserto, andava à porta dos estádios a pedir aos jogadores para irem à selecção e ninguém queria. Introduzi mais rigor, outro padrão, porque a selecção era completamente amadora. Hoje, já todos querem ir. Entretanto deixei de ser treinador, porque aqui em Cabo Verde o futebol é amador, gastamos dinheiro em vez de ganhar. Fui estudando sempre, mesmo enquanto jogava.

QFS – E foi sempre acompanhando o Farense nestes anos?

AA – Sim. Foi com muita tristeza que fui sabendo que o clube ia descendo até acabar, e depois andar pelos distritais, foi um grande sofrimento. Neste momento sinto uma grande alegria por vê-lo de volta à II Liga, é um clube que me marcou, onde joguei com pessoas excepcionais. Tenho visto alguns jogos que passam na televisão e fiquei admirado por ver a equipa jogar no S. Luís novamente, pensava que iam jogar no Estádio novo de Loulé. É um prazer rever aquele estádio.

QFS – Acredita num regresso à I Liga num futuro próximo?

AA – É preciso algum tempo na II Liga para ganhar estabilidade. O Farense precisa de consolidar a sua posição e depois ganhar balanço, a II Liga é uma divisão muito competitiva. É preciso tempo para construir uma boa equipa, com melhores jogadores, e depois sim pensar em subir. A equipa precisa de mais estofo, digamos assim. Mas Faro é capital de distrito, a cidade merece um clube na I Liga. Olhe, os farenses daí não devem saber, mas há um clube em Cabo Verde que foi fundado em 1982/83, quando o Farense fez uma digressão por aqui. Chama-se Farense de São Vicente e acabou de ser campeão da II Divisão e subir à primeira! Temos aqui bons jogadores, os portugueses é que não sabem. Vão sabendo agora através da nossa selecção.

QFS – É verdade, muitos dos adeptos farenses souberam disso este ano através do Facebook!

AA – Ah sim? Ainda bem. Esta é uma prova do impacto que o Farense causava nos sítios por onde passava, pelas equipas que tinha e o futebol que praticava.

QFS – Pode dizer-se que o Farense ficou no seu coração?

AA – Sim. Os meus dois clubes do coração são a Académica (onde se formou e onde jogou dois anos como sénior) e o Farense. Adorei viver em Faro, não vou lá desde que saí do Farense mas estou a pensar voltar ainda este ano. Gente muito simpática, muito alegre, onde sempre fui bem recebido e sempre tive amigos. Da primeira equipa então (1973/74), tenho muitas saudades de todos, éramos uma verdadeira família.

“Cheguei à selecção A com 19 anos devido ao Farense”

QFS – Quando chegou a Portugal?

AA – Cheguei a Portugal aos 16 anos, a Coimbra, para estudar. Nem era futebolista. O meu irmão (Carlos Alhinho) jogava na Académica e um dia fui ver uma final de juniores entre a Académica e o Benfica, onde jogavam Shéu e João Alves. No fim, o meu irmão perguntou-me: “Achas que aguentavas jogar aqui?” Eu disse que sim e então ele levou-me para treinar com os juvenis. Ao fim de poucos treinos, o treinador Andrade passou-me logo para os juniores, onde joguei enquanto ia treinando com os seniores. Fui o único, com Gregório Freixo, a representar a Académica na selecção de juniores.
QFS – E como surgiu a hipótese de vir para o Farense?

AA – Entretanto o meu irmão saiu para o Sporting, a direcção da Académica não gostou e disseram-me: “Podes ficar, mas não te vamos pagar nada”. Fiquei um ano inteiro a treinar sem jogar e no ano seguinte, o meu irmão soube que o Farense precisava de um central e mandou-me lá para o treinador da altura, Carlos Silva, me observar. Ao fim de um treino ou dois, fiquei logo na equipa – até me levou para viver na casa dele nos primeiros tempos! Fizemos uma época excepcional e eu também, cheguei a ser chamado à selecção A para um jogo com a Inglaterra. Isto, estando no Farense e com 19 anos, foi uma grande surpresa. Eu quando fui ver a convocatória nem reparei que o meu nome estava lá, só o vi depois quando amigos me disseram. E estava, lá no fim. Depois, no fim da época, o Porto foi logo buscar-me. Mas devia ter ficado no Farense, hoje arrependo-me de ter saído logo.
QFS – Porquê?

AA – Porque aquele Porto tinha um plantel muito forte, e a estrutura já era de topo, eles tinham tudo, até um consultório dentário dentro do estádio!, mas o ambiente lá dentro era péssimo, havia muita fricção entre os jogadores da casa e os de fora. Depois de ter vivido numa verdadeira família, quando estive no Farense, ali encontrei feras, eu que tinha 20 anos e só uma época como sénior. O treinador era o Aymoré Moreira, que tinha sido bicampeão do mundo como seleccionador do Brasil, e acabou despedido a meio da época. E atenção, fui recebido no aeroporto de Pedras Rubras como estrela de Hollywood! Os outros passageiros daquele vôo até ficaram espantados com a quantidade de fotógrafos que estavam ali!

QFS – Ainda se lembra do seu primeiro jogo na I Divisão?

AA – Claro, foi o jogo que marcou o meu futuro no futebol em Portugal. Foi na sexta jornada, antes não podia ser chamado por causa do certificado. Era em Alvalade, com um Sporting que viria a ser o campeão, com Damas, Yazalde, o meu irmão... Nós éramos uma equipa muito forte, resistente, que defendia muito bem, mas ao intervalo já estávamos a perder 3-0! Então, o treinador Carlos Silva chamou-me para entrar e fiz uma segunda parte muito boa, não sofremos mais golo nenhum. Todos ficaram surpreendidos, não sabiam de onde tinha aparecido aquele jogador assim de repente! No dia seguinte, o Manuel José, que hoje é treinador, foi buscar-me a casa para irmos beber um café e falar do jogo, toda a gente tinha ficado impressionada comigo.

QFS – E a partir daí, nunca mais saiu da equipa!

AA – Não, fui sempre titular. Lembro-me de um jogo na Luz, onde joguei no meio-campo e a minha missão era marcar o Eusébio, o meu herói de infância que na altura jogava mais recuado. Eu estava muito nervoso, seis anos antes via aquele homem a marcar 4 golos à Coreia no Mundial e agora ia marcá-lo! Ele percebeu isso e, ainda no túnel, abraçou-me e disse que já me tinha visto jogar, para eu fazer o meu futebol e ficar tranquilo. Tirou-me aquela carga toda de cima dos ombros!
QFS – E o jogo correu-lhe bem?

AA – Não, nada. Perdemos 1-0, com um golo... do Eusébio no primeiro minuto! Ele não era nada fácil de marcar, corria muito. Mas o Carlos Silva não ficou chateado, porque naquela altura, perder 1-0 na Luz não era nada mau. Depois disso fizemos grandes exibições, que me lembre, quase ninguém passou no S. Luís. Ficámos em sexto ou sétimo, a melhor classificação do clube até então. Tínhamos uma equipa excepcional, jogadores todos muito educados, muito maduros, com Farias, Adilson e o grande Mirobaldo na frente, o Manuel José... O Mirobaldo era uma estrela, sabíamos que era só passar-lhe a bola que ele resolvia tudo, era um jogador extraordinário. Não sei como os grandes nunca o foram buscar... E o Almeida, que falava pouco mas era um grande líder em campo!

QFS – Consegue explicar o sucesso de uma equipa que na altura era um “bebé” na I Divisão (cumpria apenas a terceira época no maior escalão)?

AA – Foi uma série de fatores que se conjugaram. O Carlos Silva tinha jogado muitos anos no Belenenses, sabia muito de futebol e punha a equipa a jogar um bom futebol. Foi o grande obreiro daquela época. Quando me foi buscar a primeira vez, eu fechei a porta do carro dele devagar, com cuidado, e disse-me logo: “Feche a porta com genica!” Estava sempre a empurrar-me para ser mais activo. A direcção também era muito interessante, e depois tínhamos essa grande equipa.


“O presidente Fernando Barata dava tudo pelo clube”

QFS – Já contou a má experiência no Porto. Voltou depois à Académica, onde jogou duas épocas...

AA – Aí recuperei a auto-estima, deu-me força para continuar no futebol e ao mesmo tempo voltar a estudar. Essa experiência no Porto mostrou-me que o futebol é perigoso. A primeira época começou mal, mas depois chegaram o Joaquim Rocha, que marcava de todos os lados, o Camilo, os irmãos Campos (Mário e Vítor), o Rui Rodrigues... fizemos uma equipa extraordinária. Safámo-nos da descida na última jornada, em Guimarães, e fizemos uma festa como se tivéssemos sido campeões! No ano seguinte fizemos uma grande época, acabámos em quinto. E ao mesmo tempo, terminei o liceu.



QFS – E foi bem recebido, apesar da forma como tinha saído?

AA – Sim. O presidente João Moreno tinha actuado de má fé, mas uma pessoa não pode estragar um clube. As pessoas já me conheciam, o treinador era o José Crispim, que já me conhecia dos juniores. Assim que cheguei, disse-me logo: “Isto aqui não é os juniores, onde ganhas a bola e arrancas por aí fora. Aqui não há brincadeiras!”


QFS – Depois faz cinco épocas no Belenenses. Todas boas?

AA – Os três primeiros anos foram excepcionais. Depois fui convidado para jogar nos Estados Unidos, no Jacksonville Tea Men, onde joguei com o Artur Correia, ex-Benfica e Sporting, e muitos craques ingleses da altura. O treinador era o Noel Cantwell, que tinha jogado naquela grande equipa do Manchester United que morreu quase toda no desastre de avião. Estreei-me contra o Johan Cruyff. Os americanos estavam a apostar forte naquele campeonato, a NASL, estava a léguas do português em tudo: organização, patrocínios, salários, tudo. Eles compraram mesmo o meu passe, mas entretanto tive de regressar por causa da família e nessa altura, o Belenenses estava em queda livre! Só o senhor Rui da Cruz é que ajudava o clube, mas ele sozinho não conseguia suportar aquela derrocada. Foi uma grande pena. Mas o Belenenses é um clube difícil porque não tem gente, não tem adeptos. O tempo que joguei lá, não via adeptos no estádio, levava meia dúzia de gente às bancadas e ainda hoje isso se vê. Por isso, é um clube que vai estar sempre em dificuldades.

QFS – E passados nove anos da saída, aceitou voltar ao Farense em 82/83, mesmo na II Divisão!

AA – É verdade. Surgiu essa possibilidade e aceitei na hora! Eu estudava na altura, sabia quem era o Hristo Mladenov, um treinador muito conceituado, que tinha levado a Bulgária ao Mundial, e pensei logo: “Não posso deixar de conhecer esse homem!” E criámos uma grande relação. O presidente era o Fernando Barata, um homem que tinha as suas particularidades, mas que dava tudo pelo clube. Aliás, o ir buscar o Mladenov à Bulgária diz muito.

QFS – E foi campeão!

AA – Sim, recuperei a minha alegria no Farense. No ano seguinte, o meu irmão foi para lá terminar a carreira de propósito para podermos jogar juntos, foi bom.

QFS – Nessa época de 83/84, marca o único golo da sua carreira na I Divisão!

AA – Foi na Luz, ao Bento. O Gil entregou-me a bola no meio-campo, fiz um sprint vigoroso e rematei rasteiro à entrada da área. Foi um golo histórico na altura, por ser o primeiro de sempre do Farense na Luz, e depois o José Rafael marcou outro. Mas perdemos 6-2... Também marquei em jogos da Taça e da II Divisão ao longo da carreira, mas sim, na I Divisão, esse foi o único. Jogava muito recuado, sempre a central ou como lateral de ambos os flancos na segunda passagem, mas naquela altura os defesas pouco podiam subir. Era nos cantos e pouco mais.

QFS – No final dessa época decide abandonar o Farense. Porquê?

AA – As coisas já não estavam como antes. O presidente tinha despedido o Mladenov, um homem a quem, na minha opinião, não se deu o devido valor em Portugal. Era um treinador excepcional e um homem extraordinário. Então, decidi acabar a carreira e voltar a estudar.

QFS – Mas ainda joga por Lusitano de Évora, Estoril e Académico de Viseu posteriormente...

AA – Fui jogar para o Lusitano para ajudar o meu irmão, que era o treinador. Mas não havia dinheiro, não recebi um tostão no tempo em que lá estive e ainda ajudei a pagar a alimentação de alguns colegas! E no Estoril também não recebi nada, joguei lá porque o Mário Wilson, que era o treinador, me pediu, e não podia recusar um pedido do velho capitão. Além disso, tinha lá um ou dois amigos e como vivia em Oeiras, aceitei dar uma ajuda. Mas o Estoril falhou a subida, as expetativas eram altas mas infundadas e fora da realidade do clube naquela altura. É um problema que ainda hoje acontece nalguns clubes...


QFS – E como chegou a Viseu?

AA – Fui fazer só o último jogo da época 86/87, porque o meu irmão Carlos era o treinador também e me pediu. Era um jogo em que a equipa tinha de vencer para conseguir a permanência. E assim aconteceu. E na época seguinte a mesma coisa, mas para subir: fui fazer os jogos finais e conseguimos ser campeões! Então, como estava a terminar a faculdade e já só me faltava fazer a fase do seminário, aceitei o convite do meu irmão para fazer parte do plantel desde o início da época. Ajudei-o a fazer toda a planificação da temporada, mas o Académico também não tinha dinheiro – o meu irmão não teve nenhum dos reforços que pediu, teve de jogar só com a prata da casa, e foi muito difícil. Acabámos por descer.

QFS – Para quem não sabe, o seu irmão, já falecido, foi internacional português em variadíssimas ocasiões e foi dos poucos até hoje a jogar nos chamados três grandes!

AA – Foi o primeiro!

QFS – Mas acabou por fazer uma carreira modesta como treinador...

AA – Não lhe deram o valor que merecia. É muito difícil para um treinador africano triunfar na Europa. Ele era um estudioso do futebol, tinha formação académica superior, mas só lhe deixavam treinar equipas pequenas, onde estava condenado à descida desde o início. Acabou por ficar desencantado com o futebol português e depois foi fazer pela vida. Treinou muitas equipas em África e na Ásia, ganhou algum dinheiro, mas faltou-lhe o reconhecimento na Europa como treinador.

QFS – E em Viseu ainda jogou com outro irmão seu, o José Alhinho!

AA – Sim, é o meu irmão mais novo. Fez uma carreira mais modesta, mas passou por Olhanense e Portimonense, entre outros (também jogou no Farense em 81/82). Também era central, nesse ano em Viseu fizemos dupla os dois.


“Intimidava os avançados com a barba cerrada e o cabelo afro”

QFS – Como se descreve enquanto jogador?

AA – Era muito rápido, de boa técnica, muito disciplinado em termos tácticos. Cumpridor. Naquela posição, tínhamos de ter velocidade e saber jogar.

QFS – E tinha um bom porte atlético!

AA – E tive sorte de nunca ter uma lesão na carreira. Não tenho um único risco no corpo, nunca fui operado a nada. E ainda hoje jogo, há pouco tempo ganhei o prémio de jogador mais veterano aqui no campeonato de veteranos. Faço tudo, ténis, bicicleta, tudo. Mantenho o mesmo físico de jogador!


QFS – Já não tem é o cabelo afro!

AA – Era a minha imagem de marca, isso e a barba cerrada. Isso juntado ao porte atlético, acredito que intimidava um pouco os avançados (risos)!

QFS – Disse que foi chamado à selecção A com 19 anos, quando jogava no Farense, mas não se chegou a estrear...

AA – Não, acabei por jogar só na selecção B e na de esperanças (sub-21). Naquela altura, os titulares eram sempre o meu irmão Carlos e o Humberto Coelho, era muito difícil jogar ali. Eles não saíam de lá! Como eu, houve vários outros bons centrais que raramente jogaram na selecção por causa disso...
QFS – Já disse também que ficou contente por ver o Farense voltar a jogar no S. Luís. Porquê?

AA – É um campo onde nos dava muito prazer jogar. O estádio não é muito grande, mas tem quatro bancadas e naquela altura enchia sempre, não cabia uma agulha! Vinha gente de todo o Algarve ver os nossos jogos. Os limites do campo ficam mesmo em cima dos espectadores, o calor humano sente-se ali em cima de nós. Os adeptos falavam cara a cara connosco e com os adversários! É um ambiente fantástico. E nunca vi acontecer nada de violência, foram sempre correctos com toda a gente.

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

AA – No Farense, Mirobaldo, Manuel José... Nos Estados Unidos joguei com o Keita, que tinha jogado no Sporting e no Barcelona – nunca tinha visto um avançado tão talentoso. E no Porto, o António Oliveira, o Cubillas, o Flávio...

QFS – E treinadores? Já falou de Carlos Silva e Mladenov...

AA – Sim. Além desses, o meu irmão Carlos, claro, e também o Noel Cantwell, nos Estados Unidos.

QFS – Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?

AA – Apoiem o clube sempre, um clube abandonado é o pior que pode acontecer. As pessoas têm de fazer tudo para que o Farense volte à I Liga, porque isso até será benéfico para Faro, leva gente a Faro. Não virem as costas ao clube.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Sérgio Duarte





“No meu tempo, era impensável perder em casa" 

Quantos Farenses somos? - Olá, Sérgio. Que é feito de si? 

Sérgio DuarteEstou em Manaus, no Brasil. Sou treinador do Iranduba, um clube que compete no campeonato estadual de Amazonas. Estamos perto da zona de descida, vamos ver como vai correr até ao fim.

QFS – E já treinou outras equipas antes?


SD – Sim. Em 2009 fui campeão amazonense, pelo América, e em 2010 fomos vice-campeões da Série D e subimos à Série C, um feito fantástico para uma equipa do Amazonas, que ninguém acreditava que fosse possível.




QFS – E o Farense, continua a acompanhar?

SDVou vendo os resultados pela internet. Estive o ano passado em Faro e fui ao São Luís ver um jogo, já não me lembro contra quem. Estive com o Manuel Balela e falei com muita gente pela cidade, na rua de Santo António e por aí. Fui ao restaurante Rainha, onde gostava muito de ir quando jogava no Farense. E muita gente me reconheceu e falou comigo. É sempre bom.

QFS – Que lhe parece esta temporada do clube?

SDParece-me estar a fazer uma campanha equilibrada. Por acaso quando estive aí, comentei com o Balela: "Acho que no nosso tempo tínhamos mais equipa!"

QFS – E acredita num regresso à I Liga num futuro próximo, ou acha que ainda é cedo para se colocar essa questão?

SDPara já, penso que é preciso equilibrar e estabilizar na II Liga para depois poder tentar outros vôos para o ano. No futebol não há impossíveis: se a equipa conseguir manter-se este ano, o importante é ir buscar os jogadores certos para a próxima época. É um campeonato difícil, mas com bons jogadores e com um plantel com muitas opções, é possível. O essencial é fazer a maioria dos pontos em casa e depois tentar ir buscar alguns fora. O objectivo tem de passar por somar sempre.

QFS – Este ano a equipa tem tido algumas dificuldades em casa, até já perdeu 0-5 com o União da Madeira...



SDUi... A sério? E eles estão ao menos a lutar para subir?
QFS – Sim, estão nos primeiros lugares.


SDPois. Mesmo assim, isso no meu tempo era impensável. Perder pela diferença mínima em casa já era tremendo. Mesmo nós, os jogadores, não aceitávamos isso. Sempre fomos feitos de muita garra, era esse o segredo do sucesso das nossas equipas, mais ainda do que pela qualidade dos jogadores.
QFS –Falava-se sempre do inferno de São Luís...


SD – É verdade. Quando as outras equipas vinham a nossa casa já sabiam que ia ser muito complicado. Lembro-me de muito poucas derrotas em casa. Havia uma união muito grande entre a equipa e os adeptos, o estádio estava quase sempre cheio. Fazíamos com que a torcida jogasse connosco. Mesmo quando não jogávamos bem, notava-se o empenho. A nossa equipa tinha jogadores que criaram uma identidade muito forte com o clube e com a cidade, mesmo quem era de fora, como eu.
QFS – Hoje, parece que os adeptos não estão tão ligados à equipa...


SD – A equipa leva os adeptos. A partir do momento em que estiver bem, a jogar bem, é claro que os adeptos se motivam. É preciso ter uma equipa melhor, quando isso acontecer, os adeptos vão acompanhar. A equipa tem é de produzir em campo. Se começar o campeonato bem e estiver nos lugares mais cimeiros, o adepto vai muito mais ao estádio.




O Algarve tomou conta de Lisboa na final da Taça

QFS – Como se deu a sua chegada ao Farense?

SDHavia lá um empresário, creio que se chamava Joaquim Alencar, que tinha contactos no Farense. O treinador, que era o José Augusto, e o presidente Fernando Barata precisavam de um trinco, ele falou-me dessa possibilidade e aceitei. Treinei uma ou duas semanas com a equipa e passado esse tempo, o mister disse-me para ligar à família e avisar que só voltava lá nas férias. No início, até me levou para a casa dos tios dele, que ficava perto do estádio. Fiquei lá bastante tempo, e depois fui viver com o Mané
QFS – Conhecia alguma coisa do futebol português?

SDConhecia Benfica, Sporting e Porto. Lá davam alguns jogos do campeonato português, lembro-me de ver por exemplo o Paulinho Cascavel ainda antes de jogar no Sporting. Mais tarde é que fiquei mais a par do campeonato e do Farense, descobri depois que o José Augusto era um nome grande de Portugal e do Benfica, o Benje, que era o nosso treinador de guarda-redes, também. Talvez por ser de fora e ser tão novo, todos me tratavam muito bem. E depois tinha lá brasileiros, o Nilson, o Gil, o Roberto, o Celso, o Pitico, o Orlando, o Dicá, o Helinho, o Ricardo, o Helcinho, o Stefan, o Adilson. Havia ainda o Alhinho, que tinha jogado em Manaus, o Luizão também. A nossa convivência era muito boa.


QFS – Ainda se lembra do seu primeiro jogo na I Liga?

SDDo primeiro na I Liga não me lembro, mas sei que o primeiro foi um amigável a meio da semana, à noite, com o Olhanense. Marquei um golo de cabeça. Não era muito de marcar golos, mas lembro-me de um jogo com o Guimarães, em que ganhámos acho que por 4-1, que marquei dois. Num deles peguei na bola na nossa área, corri com ela o campo todo e ainda tive força para marcar o golo. Foi o melhor da minha carreira.



QFS – Na primeira época até marcou o golo da vitória num jogo com o Sporting! Mas a equipa desceu de divisão...

SDO Sporting era um timaço! Marquei também de cabeça ao Rodolfo Rodríguez. Quando comecei a jogar a equipa já não estava numa boa posição. Estive muito tempo sem poder jogar por causa do certificado internacional que nunca mais chegava, foram praí três meses. Não conseguimos muitos pontos fora, foi o que falhou. Mas no ano seguinte foi uma época maravilhosa! Fomos campeões indiscutíveis da II Liga e chegámos à final da Taça!


QFS – Esse foi o momento alto da sua passagem pelo Farense?



SD – Foi uma coisa que mexeu com todo o Algarve e com todo o Portugal! Só percebemos mesmo a dimensão desse feito quando fomos no autocarro até ao Jamor: nas ruas era só pessoas de branco e preto, muita gente mesmo! O Algarve tomou conta de Lisboa nesses dias!




QFS – Chegar à final já foi uma vitória, ou queria mais?
SDEu na altura disse ao Mané: "Já entrámos na história por ir à final? Então porque é que não podemos entrar sendo campeões?" Depois fiquei tão chateado com a derrota que me retirei do campo assim que o jogo acabou, nem recebi a medalha. O pessoal entregou-ma depois, eu pedi desculpa e disse que não tinha cabeça para estar lá em cima. Porque vi que éramos mais equipa, o Estrela fez dois golos contra a corrente do jogo. Mas quando chegámos a Faro e vimos a festa, foi maior do que fizeram na Amadora! Foi uma verdadeira festa de campeões. Aí já participei (risos)!
 

QFS – Passou mais 5 épocas na I Divisão pelo Farense, sempre como titular indiscutível!
SDÉ verdade, fui sempre dos mais utilizados, sempre com regularidade... até ao momento em que o Farense deixou de cumprir.

QFS – A sua rescisão com o clube, a três jornadas do fim de 94/95, continua na memória de todos os adeptos do Farense...

SDTodos sabíamos como estava a situação do clube naquela altura. Eu estava com três meses de salários em atraso mais alguns prémios. Mas o que pesou verdadeiramente na minha decisão foi uma reunião em que um dos directores, com o presidente lá, disse que os contratos eram para ser cumpridos. E eu disse: "Não falho treinos nem jogos, estou a cumprir com tudo!" A partir daí, disseram que pagavam quando tivessem condições e eu disse que se tivesse uma proposta melhor, estaria inclinado a aceitar. Acho que, pelos anos que eu já tinha de casa, eles acharam que não teria a coragem de sair. Mas o Boavista, que já me queria no início da época, fez-me uma proposta muito maior e cheguei a acordo. Foi um alvoroço total, o Farense para se proteger não deu a imagem real e disse que eu abandonei o clube.



QFS – Lembra-se como foi recebido quando foi ao São Luís jogar pelo Boavista?



SDNunca vi um jogador ser tão assobiado e vaiado. Assim que entrei para o aquecimento o estádio transformou-se logo, e cada vez que tocava na bola... mas fui o melhor em campo e o Rufai, com duas grandes defesas, impediu-me de marcar. Quando os meus colegas me falaram dos assobios, eu disse-lhes que era as saudades dos adeptos a falar!

QFS – E no Boavista, como correram as coisas?

SDNo primeiro ano fui titular indiscutível, depois joguei na Taça UEFA e ganhei a Taça de Portugal. Não joguei a final (3-2 ao Benfica), porque estava lesionado, mas marquei o golo decisivo nos quartos-de-final, contra o Estoril (1-0). O Boavista deu-me outra projecção.
QFS – Depois ainda jogou na Escócia, onde encontrou o Lemajic, antes de voltar para Portugal...

SDÉ verdade, ainda joguei com ele lá. Foi uma óptima experiência. Só voltei a Portugal para estar perto da família.

QFS – Ainda passou por vários clubes antes de se retirar já com 38 anos!

SDSim. Fui para o União de Lamas, o treinador era o Manuel Correia, antigo defesa do Chaves. Quando me viu perguntou logo "Ainda jogas à bola?" No Vizela fui treinado pelo Carlos Carvalhal, e ainda joguei na Ovarense e no Vilanovense e vim acabar aqui em Manaus. Ainda tinha genica, cuidava-me muito em termos físicos, gostava muito de treinar.

QFS – Para quem nunca o viu jogar, como se descreve enquanto jogador?

SDEra um jogador técnico, um médio com bom poder de marcação. Passava bem a bola, tinha força física e tinha um bom poder de jogo aéreo. Era trinco, mas gostava de subir e aparecer como elemento surpresa lá à frente. Não marcava muitos golos, mas fazia assistências. Os treinadores elogiavam-me todos por isso, por não ficar estático no meio-campo, por procurar sempre estar bem posicionado. Uma vez, o Manuel José, que me treinou no Boavista, disse-me: "Hoje só não te tirei por causa da tua cultura táctica, porque tecnicamente estiveste abaixo do que é normal".




O Farense sempre foi uma equipa de guerreiros

QFS – Foi acompanhando o Farense ao longo dos anos? Como viu a queda do clube?

SD – Com tristeza, pois foi um clube onde passei 7 anos, cria-se uma afinidade e identidade. Vi fotografias da equipa a jogar em campos pelados, algo que nunca tinha pensado - nem quando havia campeonato de reservas, que se jogava à noite. Por acaso nunca fiz nenhum. Sempre torci para que a situação do clube melhorasse, e quando vi que já estava numa divisão que dava acesso à I Liga, fiquei contente.

QFS – O Farense ficou-lhe no coração?

SDPor tudo aquilo que vivemos, o tempo que passámos aí, prende muito, marca muito. Tornei-me luso-brasileiro, os meus filhos também o são, e Portugal é o nosso outro país. Se tivéssemos de ir para Portugal agora, íamos com toda a vontade. Se pudesse, ia aí todos os anos. Aliás, quando estive aí o ano passado falei com o presidente Barão sobre o meu filho, o Sérgio Júnior, que tem 20 anos e é trinco como eu. É muito técnico, é português e tem condições para fazer a mesma carreira que eu ou até melhor. Gostava de o ver no Farense. Mas falo muito com pessoal desse tempo, o Fernando Belo, o Balela, o Paco Fortes, Fanã, estamos sempre em contacto. Às vezes, vou ali para a sala ouvir música portuguesa: Rui Veloso, Delfins. Dá um grande saudosismo e vontade de regressar e rever muita gente. Sempre soube ser digno da amizade de toda a gente.

QFS – Ainda recorda o apoio dos adeptos com saudade?

SD – Sempre. Lembro-me da claque, que agora não me estou a lembrar do nome, mas eles eram fantásticos. Ficavam atrás da baliza e nós gostávamos sempre de ir festejar os golos naquele lado com eles.

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

SDMuitos. Ainda joguei com o Paco Fortes, era muito raçudo, queria brigar com toda a gente (risos). Aliás, ele deixou de jogar porque se lesionou por causa de um carrinho em que chocou contra as bancadas. Paco, Hajry, Hassan, Pitico, Mané... era muito difícil segurar esse ataque.

QFS – E treinadores?

SDJosé Augusto e Manuel José, no Boavista. Cobrava muito de mim, mas porque sabia do meu potencial. Fui cumprimentá-lo quando ele era treinador do Benfica e perdeu a Taça para o Boavista, onde eu estava.

QFS – Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?

SD – Apoiem sempre o clube, independentemente da situação. Permaneçam fiéis, o Farense sempre foi uma equipa de guerreiros. O clube precisa muito do apoio da torcida para que possa voltar aos tempos áureos. São eles que motivam e galvanizam o clube.