Farense capa

Farense capa

sexta-feira, 28 de março de 2014

Besirovic



“O Farense é um clube muito especial”

Quantos Farenses somos? - Olá, Besirovic. Encontra-se em Portugal ou na sua Bósnia natal?

Besirovic – Estou na Bósnia, treino os miúdos de um clube da terceira divisão.

QFS – E continua interessado pelo Farense?

B – Sim, vou vendo sempre os resultados pela internet. O meu filho Dino pertence aos quadros do Académico de Viseu, está emprestado ao Sampedrense [distritais] e também por isso vejo sempre o que se passa na II Liga.

QFS – Está a correr bem a época do seu filho?

B – O clube é complicado... Mas o presidente está muito satisfeito com ele, e este mês vamos ver como será o seu futuro. Para já, tem mais um ano de contrato com o Académico de Viseu.

QFS – Gostava de o ver um dia com a camisola do Farense?

B – Primeiro, gostava de o ver ser feliz no futebol, e para isso ainda tem de crescer muito. Mas claro que me sentiria muito orgulhoso se um dia ele representasse o Farense. Transmitia-lhe os valores do clube, que eu aprendi quando lá estive. Farense é Farense, é um clube muito especial.

QFS – Ficou no seu coração?

B – Sim, é um clube com muita mística, que tem de estar na I Liga. Tenho muito respeito pelos outros clubes do Algarve, o Olhanense, o Portimonense, mas o Farense é o clube mais representativo da região e merece estar lá em cima. É um clube especial.

QFS – Consegue explicar o porquê desse sentimento pelo clube?

B – Nem sei bem. Tem a ver com os adeptos, a força que transmitem aos jogadores. O público está muito em cima do campo, vive o jogo com muita intensidade, e o estádio, a maneira como está desenhado... nós entrávamos em campo, sentíamos aquela força que vinha do público e só pensávamos em dar tudo para corresponder ao apoio que estávamos a receber. Havia ali alguma coisa que puxava por nós, que nos dava força. Com os grandes então era uma loucura! O Farense era o único clube do Algarve na I Divisão, estava ali a representar toda uma região. Nunca vou esquecer, também pela união enorme daquele plantel. Em grupo, superávamos tudo! Além disso, o outro meu filho nasceu mesmo ao lado do estádio!

QFS – Lembra-se de algum episódio em especial que demonstre bem essa união que juntava os jogadores?

B – Lembro-me de um jogo com o Rio Ave na última jornada [época 97/98] em que precisávamos de ganhar para ficar na I Divisão e estávamos há quatro ou cinco meses sem receber ordenados, era o senhor Boronha o presidente. Mas tínhamos uma união que vi em poucos clubes. O grupo superava tudo. No balneário antes do jogo conversámos, percebemos que só ganhando e assegurando a manutenção é que poderíamos sonhar em receber o que estava em atraso, unimo-nos e entrámos em campo para ganhar. E fizemos a nossa parte, ganhámos 1-0! [golo de Djukic aos 44']

QFS – Deixou muitos amigos em Faro?

B – Sim, estou sempre em contacto com antigos colegas, com antigos membros da direcção. As vezes que lá fui depois de sair, fui sempre muito bem recebido. Um dia quando voltar não pode ser de fugida, tenho de ficar muito tempo para estar com toda a gente.



“Agora é preciso estabilizar o clube, sem pressas”

QFS – Como classifica a temporada do Farense?

B – Vejo um clube a ganhar estabilidade, a levantar-se. Vai demorar para voltar ao patamar onde esteve nos anos 90, mas é normal, o clube esteve mesmo lá em baixo. Agora tem de se pensar em ganhar estabilidade. Não é preciso pressas, é preciso é estabilizar a situação do clube e depois sim, pensar em tentar voltar ao topo.

QFS – Chegou ao Farense já com 30 anos, e à I Liga com 29. Foi tarde?

B – Passei muito tempo na II Divisão, é verdade. Também é preciso sorte no futebol. Na Jugoslávia joguei sempre na I Divisão, depois vim para Portugal e acabei por estar muito tempo na II. Mas fiquei satisfeito com a minha carreira, os adeptos dos clubes por onde passei nunca me esqueceram e fico muito contente por isso. E fiz grandes amigos no futebol, como o Sérgio Fonseca, que jogou comigo no Académico de Viseu e hoje ainda joga com o meu filho no Sampedrense. É como um irmão para mim.

QFS – Porque saiu do seu país, na altura ainda a Jugoslávia?

B – Foi para fugir à guerra. Assim que ela começou, em 1991, vim para Portugal, então jogar para o Estrela da Amadora.

QFS – E como se deu o ingresso no Farense em 97/98? Ganhou a titularidade de forma instantânea!

B – Fiz uma boa época no Espinho, o Paco Fortes já me conhecia, gostava muito da minha maneira de jogar e aceitei. A adaptação também foi muito fácil, estava lá o Punisic, o Djukic, e todos os outros, todos me ajudaram.



QFS – Só faz menos jogos em 99/00: faz o décimo da época à décima jornada e só volta a jogar à 29ª...

B – Tive de ser operado a uma lesão nas virilhas, o músculo partiu. Foi chato, estive vários meses sem poder jogar.

QFS – Tinha a noção que o Farense tinha estado pouco tempo antes na Taça UEFA e também na final da Taça de Portugal?

B – Sim, sabia disso, foi contra o Lyon. E quando cheguei fui posto a par da história do clube.

QFS – Mas nas suas épocas o panorama já não foi tão animador. Dava sempre a sensação que o Farense tinha bons plantéis, mas faltava qualquer coisa para lutar por mais do que apenas a permanência...

B – Na minha altura o clube já estava a baixar um pouco. Também tenho essa sensação, faltava sempre qualquer coisa para um outro nível. Algo fora do campo. O valor dos jogadores era muito bom, e o ambiente no estádio nem se fala. Vi ali muitas vezes os grandes entrarem com muito respeito pelo Farense. Mas o clube atravessava problemas graves de dinheiro e isso acabava por afetar os jogadores. Não no campo, porque aí nem pensávamos nisso, só queríamos jogar com garra, com querer para ganhar os jogos, mas durante a semana sim.


“Tive muita sorte, apanhei gente boa em todo o lado”

QFS – Sai no fim da época de 2000/01 para o Leixões, que então estava na II B...

B – Foi um convite especial do Carlos Carvalhal, que tinha jogado comigo no Espinho e estava no início da carreira como treinador. Não podia recusar. Claro que tive medo, não conhecia o campeonato da II B, mas acabou por correr tudo bem.

QFS – Mais que bem, diríamos nós: na primeira época chegou à final da Taça!

B – Sim, tínhamos uma equipa espectacular. Ao início nunca esperaria aquilo, o plantel era curto e nem conseguimos subir nesse ano, que era o principal objectivo. Mas depois fomos avançando na Taça, fomos eliminando equipas da I Liga e começámos a acreditar, até que ganhámos em Braga nas meias-finais. Também encontrei lá uma equipa forte, muito unida, com jogadores muito experientes, e uma grande mística, os nossos adeptos iam a todo o lado. Foi indescritível ver aquela bancada no Jamor cheia de adeptos do Leixões. Nesse aspecto, era como o Farense.




QFS – E foi muito difícil o jogo da final para o Sporting...

B – … Que só nos ganhou com um golo do Jardel em fora de jogo. Fizemos um grande jogo, não tínhamos nenhuma pressão para ganhar: chegar à final já foi um grande feito.

QFS – No ano a seguir, mais glória: subiu e jogou na Taça UEFA e na Supertaça, um feito assinalável para um clube da II B!

B – Sim, e passámos a primeira eliminatória depois de ganharmos na Macedónia [ao Belasica]. Depois calhou-nos o PAOK: ganhámos em casa o primeiro jogo, mas na Grécia perdemos 4-1. Mas é curioso, mesmo com a presença na Europa e a subida de divisão, não houve tanta euforia nos adeptos como no ano anterior!

QFS – Certamente nunca esperava chegar a uma final da Taça e jogar nas competições europeias já com 35, 36 anos...

B – Nem me passava pela cabeça! Mas no futebol nunca se sabe. Tive muita sorte na carreira, apanhei gente boa em todo o lado.

QFS – Depois ainda voltou ao Algarve para acabar a carreira!

B – Sim, acabei no Beira-Mar de Monte Gordo. Foi através de amigos feitos no tempo do Farense, como o Arménio. Voltei por causa dele.



QFS – Chegou a jogar pela selecção da Bósnia?

B – Fiz um jogo, creio que pouco depois de trocar o Espinho pelo Farense. Mas na altura era complicado ir à selecção, havia muita corrupção, os jogadores não eram escolhidos pelo mérito. Nos últimos anos entraram pessoas mais sérias, as coisas mudaram um pouco, mas agora os problemas são no balneário, com jogadores que têm a mania que são vedetas. Não estamos preparados para ir ao Mundial.



“Só pensava em suar a camisola e dar tudo pelo clube”

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

B – Que defrontei, o Savicevic, que depois passou com grande sucesso pelo Milan. Em Portugal, o João Pinto: ele pisava muito os terrenos perto de onde eu andava e era muito difícil jogar contra ele, era muito bom jogador. O Preud'Homme também, era o melhor guarda-redes da Europa ou até do mundo, mesmo já com quase 40 anos. Colegas meus, tive o Zé D'Angola no Académico de Viseu, que era um grande jogador, mas tinha aquilo a que chamamos uma cabeça pequenina... Mas no Farense, no Leixões joguei com muitos grandes jogadores, nem consigo individualizar.

QFS – E treinadores?

B – Aprendi com todos, mas o Paco Fortes era diferente de todos os outros. Pela raça que transmitia aos jogadores, pelo querer: ele queria ganhar sempre, dar tudo, ser o melhor. Como ele não há igual, a forma como ele vivia os jogos... Se pudesse, entrava em campo! E era espectacular, chegou a ir a Fátima a pé depois de conseguirmos a manutenção! Também posso destacar o Carvalhal, que estava a começar mas já na altura se via que era um treinador de muita qualidade.

QFS – Como se descreveria como jogador?

B – Não queria ir muito por aí, porque nunca gostei de falar das minhas qualidades, isso era para os adeptos verem em campo. Era um médio centro, que tanto podia jogar mais à frente como mais recuado, mas no Farense fui mais vezes médio ofensivo; no Leixões, por exemplo, já era mais defensivo. Corria muito, porque sabia que o caminho para ser jogador não é fácil e tinha de dar tudo pelo clube e pela camisola. Para mim, suar a camisola era o mais importante, e muito disso aprendi no Farense, sabia que os adeptos valorizavam quem trabalhava e ainda hoje deve ser assim.

QFS – Gostaria de deixar uma mensagem aos adeptos do Farense?

B – Nunca deixem de acreditar no clube e de o apoiar. Às vezes é preciso calma, mas sem pressas tudo poderá voltar a ser como era antes. Um abraço grande para todos.


sexta-feira, 21 de março de 2014

Caniggia





“Farense melhorou bastante com Jorge Paixão”

Quantos Farenses somos? - Olá, Caniggia. Ainda está a jogar no Louletano, como está a correr?

Caniggia – Comparado com os anos anteriores, a situação está bem melhor agora. O objetivo é a permanência e devemos conseguir assegurá-la.

QFS – É diferente ter o Manuel Balela, também ele uma grande figura na história do Farense, como treinador?

C – Obviamente que o míster Balela tem um conhecimento profundo da equipa, do futebol algarvio e exige sempre o máximo dos jogadores. Todos os outros treinadores que tivemos eram competentes, atenção, mas toda a gente falha e quando as coisas não correm bem no futebol, já se sabe que a culpa é sempre do treinador. Neste caso, é uma questão de haver agora um maior compromisso com o treinador e o clube.

QFS – E continua a seguir o Farense?

C – Claro que sim, joguei aí cinco anos e tenho muita gente conhecida no clube e em Faro, tenho ligação com vários jogadores do atual plantel e também com alguns adeptos. Estou sempre a acompanhar.

QFS – O clube do coração, porém, é mesmo o Louletano?

C – Foi o Louletano que me deu a oportunidade de me lançar e que me tem acolhido sempre. Salvo erro, esta é a quinta vez que saio e regresso. Isto pesa, não é? De qualquer forma, se há outro clube por quem nutro enorme simpatia e respeito, é o Farense.

QFS – Como classifica esta época da equipa?

C – No início, foi de muita preocupação. Todos os adeptos, os jogadores, a estrutura, estavam preocupados com os fracos resultados. Depois, com a chegada do [Jorge] Paixão, a situação melhorou bastante. De qualquer forma, todos sabíamos que este não era um ano de subida. Claro que o Farense é um clube com pergaminhos, tem sempre de ter ambição, mas tínhamos de ser realistas.

QFS – Mas acredita num Farense na I Liga num futuro próximo?

C – Se há um clube que, pela sua história e envolvimento dos adeptos, merece estar na I Liga, é o Farense. Qualquer conhecedor do futebol algarvio sabe que na região, o clube cujo envolvimento dos adeptos é mais forte é o Farense, não tem comparação com mais nenhum. Esperemos que volte rapidamente ao que já foi, faz falta na I Liga. Até para o bem do futebol algarvio, é bom ter várias equipas lá em cima, é bom para o desenvolvimento dos jovens valores do Algarve e também para equilibrar o panorama do futebol em Portugal: está tudo muito virado para o Norte…

QFS – Conhece bem o professor Antero. A equipa está em boas mãos?

C – O melhor elogio que lhe posso fazer é este: é competente e gosta muito, muito do Farense. Ajudou-me muito. Não me compete dizer se deve ficar mais tempo, também não sei quais os objetivos que a direcção vai estabelecer para a próxima época, o que posso dizer é que o Antero é uma pessoa competente e adora o clube.




“Quando cheguei em 2001/02 o Farense estava ligado à máquina”

QFS – Chegou ao Farense em 2001/02, com 24 anos, vindo da II B. Como se deu essa oportunidade?

C – Dei nas vistas no Louletano na época anterior e ter o clube mais emblemático do Algarve, na I Liga, a querer-me contratar foi um salto grande, o alcançar de um objetivo para o qual trabalhei muito. Não esqueço a estreia, logo na primeira jornada com o Salgueiros.

QFS – Infelizmente a época não foi feliz…

C – O clube já estava ligado à máquina naquele ano. E curiosamente, senti o clube mais forte na segunda passagem, mesmo estando primeiro na III Divisão. Parece que as pessoas em 2001/02 já estavam conscientes do que poderia acontecer e estavam mais desligadas já do clube. Felizmente agora a situação mudou muito para melhor.



QFS – Curiosamente, o Caniggia fez 12 jogos para o campeonato nessa temporada, e todos como suplente utilizado! Porque é que nunca foi titular?

C – Sinceramente, não faço ideia! E tivemos quatro treinadores nesse ano: Alberto Pazos, até o Hajry nalguns jogos, depois o Jorge Castelo e ainda o Paco Fortes. Além disso, houve duas administrações, foi um ano muito difícil.

QFS – Já se previa o que viria a acontecer depois?

C – Nunca pensámos que pudesse chegar ao extremo do clube acabar. Sabíamos que estava muito complicado, mas acabou por ir mais longe do que esperávamos.

QFS – E depois da travessia no deserto que o clube atravessou, acreditou que o cenário actual era possível?

C – Sinceramente, houve uma altura que, tal como muita gente, não acreditava, sentimos mesmo que não havia solução. Depois, a partir do momento em que vimos o trabalho que estava a ser feito pelo ressurgimento do clube, aí sentimos que era possível. Foi uma recuperação brutal, é um trabalho que ficará para sempre.


“Sou Caniggia pelo cabelo, marcava menos uns golos que o verdadeiro…”

QFS – Tirando uma passagem pelo Estoril e outra pelos Açores, no União Micaelense, só jogou em clubes algarvios!

C – É verdade, consegui sempre ficar aqui em baixo. Era um pouco a minha zona de conforto, achei sempre que seria melhor estar perto da família.

QFS – No Estoril, disputou a II Liga…

C – Foi uma experiência fantástica, a minha primeira num campeonato profissional. Aprendi muito com o Pietra, o Rui Águas, o Isidro Beato, que foram meus treinadores lá. Errei muito, é verdade, mas é assim que se aprende também.

QFS – O Caniggia, de resto, pode dizer que já atuou em todas as divisões nacionais de Portugal!

C – É verdade! Mas curiosamente o futebol jogado nas várias divisões não é assim tão diferente, é até bastante idêntico. Claro que há mais qualidade aqui e ali, nos escalões superiores é normal que assim seja, e as primeiras divisões claro que são mais mediáticas, mas o jogo em si não tem grandes diferenças.

QFS – Na primeira passagem pelo Farense era extremo-direito, mas na última jogou quase sempre como lateral! Como se deu essa mudança?

C – Eu fui extremo até aos 31 anos. Um dia, num jogo houve uma substituição e calhou recuar. Correu-me bem e a partir daí comecei a alternar as posições, mas depois já no Farense realmente joguei a lateral já de forma mais constante. Ainda fiz alguns jogos como interior direito, particularmente no tempo do Rui Esteves.

QFS – Apesar de ser extremo, na primeira passagem não marcou qualquer golo…

C – Estive perto algumas vezes, lembro-me por exemplo com o Leiria, mas não consegui. Foi uma época conturbada, também não havia muita gente a marcar golos no Farense… Desta segunda vez já fiz uns três golitos.



QFS – E porquê a alcunha Caniggia, visto que o seu nome verdadeiro é David Hopffer?

C – O Caniggia já vem dos juniores no Louletano. Nessa época, o verdadeiro Caniggia chegou ao Benfica, e como eu tinha também o cabelo comprido, começaram a chamar-me assim.

QFS – Mas marcava menos uns golitos! (risos)

C – Alguns a menos, sim. Mas eu nos juniores até marcava, jogava mais como avançado.




“Imagem dos adeptos a confortar-nos na descida de 2010/11 não me sairá da cabeça”

QFS – Porque saiu no fim de 2001/02, após a descida à II Liga?

C – Ainda fiquei para a época seguinte, mas acabei por rescindir na pré-época. A situação já estava a ficar insustentável, não havia condições para ficar.

QFS – Nunca mais teve uma oportunidade de jogar na I Liga?

C – Não, nunca mais se proporcionou. Se calhar faltou um bom empresário… Cheguei a ter convites para a II Liga, na altura para o Portimonense, mas depois não aconteceu.

QFS – Como se deu o regresso ao Farense em 2008/09?

C – Comecei a pensar de forma diferente, já tinha 31 anos e quis entrar no mercado de trabalho, o que tornou complicada a permanência no Louletano, que treinava duas vezes por dia. Por isso aceitei ir para o Farense, que na altura estava na III Divisão. Mesmo assim, em Faro na última época a equipa treinava de manhã e eu treinava à noite sozinho, com o Antero.

QFS – Foi por isso que não ficou para o ataque à II B em 2012/13?

C – Sim. O clube propôs-me continuar, mas depois decidiu que ia passar a fazer treinos de manhã e de tarde, e isso era insustentável para mim, por causa do meu emprego. Já não estava em idade de corresponder às exigências do futebol profissional, por isso fui falar com o presidente Barão. E ele compreendeu a minha situação, claro.



QFS – Depois da alegria que foi a subida à II B em 2009/10, foi uma grande desilusão descer novamente em 2010/11, em casa com o Atlético de Reguengos?

C – Foi uma coisa muito triste, pela maneira como aconteceu. Depois de termos feito uma recuperação extraordinária na segunda volta com o João de Deus, onde nem pudemos inscrever jogadores novos, na última jornada só precisávamos de empatar em casa e estivemos a ganhar e a jogar algum tempo com mais um. Se calhar pensámos que estava feito e acabámos por nos acomodar um pouco ao resultado. E perdemos… Mas o público teve uma reação fantástica, entrou no campo e veio confortar-nos. Foi uma imagem que nunca me sairá da cabeça.

QFS – João de Deus é um bom treinador? Hoje está no Gil Vicente…

C – É muito bom, gostávamos muito dele. Em termos de estratégia, de preparação dos jogos, era muito meticuloso. Mas o Rui Esteves, o Ivo, também eram muito bons, muito profissionais, faziam do futebol e do Farense a sua vida.

QFS – Mas a equipa reagiu da melhor forma no ano seguinte.

C – Foi um ano em que correu tudo bem, batemos recordes nacionais de imbatibilidade, só perdemos dois jogos já na fase da subida. No fim subimos de forma natural.


QFS – Mesmo nessas divisões mais secundárias, o apoio dos adeptos nunca vos faltou?

C – Nunca. Se há alguma coisa que qualquer atleta do Farense não tem razões de queixa, é do apoio dos adeptos. Eles têm um grande compromisso com o clube, nunca falham. Ficarão para sempre na minha memória, até porque na última época fui considerado pelos South Side o jogador que mais produziu, ao fim e ao cabo o jogador do ano. Recebi o troféu com o nome do falecido Joaquim Sequeira. Isto marca qualquer atleta, foi um dos momentos altos da minha carreira.

QFS – Vai sempre recordar com saudade os anos que jogou no Farense, presumo então…

C – Claro, foram anos que me marcaram. Naquele clube houve sempre uma simbiose perfeita entre os jogadores e os treinadores com os adeptos. É essa a festa do futebol, e os South Side são um dos exemplos do porquê do Farense ser tão grande.


QFS – Como foi voltar ao São Luís a época passada como adversário?

C – Não tive razões de queixa, fui bem recebido como sempre. Claro que competição é competição, e quando começa o jogo só quero vencer pela minha equipa, no caso o Louletano, mas sempre com o máximo respeito de parte a parte.



“Hassan era uma força bruta, um goleador nato"

QFS – Nunca pensou sair do país?

C – Pensei, aos 20 anos cheguei a estar na Coreia do Sul e na Alemanha. Na Coreia estive três semanas, mas ao fim da primeira já me queria vir embora. Tinha 20 anos, a cultura era completamente diferente e fez-me muita confusão. Hoje olho para trás e recordo a experiência com saudade (risos).

QFS – E na Alemanha, porque não ficou?

C – Porque não me quiseram (risos)! Estive à experiência no Duisburgo, mas acabei por não ficar.

QFS – E porquê a experiência nos Açores em 2004/05?

C – Foi um convite do Isidro Beato, que tinha sido meu treinador no Estoril.

QFS – No ano seguinte, representou a terceira equipa algarvia da carreira, o Silves, que na altura estava na II B…

C – Tenho de agradecer ao Silves, porque nesse ano tive uma ruptura de ligamentos, estive vários meses parado e o Silves deu-me a oportunidade de competir nos últimos meses da época até voltar ao Louletano depois.

QFS – Chegou a lutar pela subida à II Liga pelo Louletano!

C – Éramos treinados pelo Portela [outra velha glória do Farense]. A ambição nesse ano era mesmo de subir, acabámos com os mesmos pontos do primeiro [Real Massamá], mas perdemos no confronto directo. Nos últimos anos o clube tem baixado o orçamento, não fugiu à regra de quase todos no futebol português, agora é só para a permanência.

Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

H – No Estoril, Mauro Airez, que era muito bom avançado, ou o Paulo Ferreira, que na altura jogava a médio centro, muito antes de ser lateral-direito com o Mourinho. No Farense, o Hassan, uma força bruta, um goleador nato. E um espanhol, o Rodri, que vinha da formação do Real Madrid. E no Louletano, o Pagani, um jogador de grande classe.

QFS – E treinadores?

C – Todos me marcaram. Houve momentos bons e menos bons com todos, não vou referir nenhum em especial.

QFS – Além das duas subidas de divisão com o Farense e a estreia na I Liga, que outros momentos altos teve na carreira?

C – Algumas eliminatórias da Taça pelo Louletano, onde eliminámos o Setúbal do Jorge Jesus, o Santa Clara, o Penafiel… Pelo Estoril, ganhámos no Restelo, o que na altura era um grande feito, fomos ganhar a casa do Moreirense…


QFS – No ano em que eliminam o Setúbal, depois receberam o Benfica! Jogou esse jogo?

C – Joguei e correu-me muito bem. Se calhar também pode ter ajudado ao interesse do Farense em mim. Perdemos 3-1, mas quando marcámos o golo foi uma festa imensa. Era a festa da Taça.

QFS – Tem 37 anos. Até quando vai continuar a jogar?

C – Agora é semana a semana (risos)! Não me posso dar ao luxo de fazer grandes projecções. Enquanto sentir que sou útil à equipa, vou continuar, tenho essa obrigação. Por agora, continuo a senti-lo.

QFS – Quer deixar uma mensagem aos adeptos do Farense?

C – Que continuem a ser um exemplo.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Lemajic



“Torço desde o Montenegro por um Farense na I Liga”

Quantos Farenses somos? - Olá, Lemajic. Por onde anda actualmente?

Lemajic – Estou no meu país, Montenegro. Estou ligado à Federação de futebol daqui. Curiosamente estive há 15 dias em Portugal.

QFS – E foi a Faro?

L – Não, infelizmente não tive tempo. Estive em Lisboa e não consegui descer mais. A ver se ainda este ano consigo voltar e ir a Faro.

QFS – Continua a acompanhar o Farense?

L – Sim, continuo sempre a acompanhar. Vou vendo os resultados e quando aparece algum vídeo na net, vejo sempre. Sei que está em 11º na II Liga, não joga como dantes ainda, mas pouco a pouco está a recuperar essa ideologia de antigamente.

QFS – Soube da grave crise por que o clube passou há uns anos?

L – Sim, acompanhei sempre via Facebook, falava muito com o Presidente Boronha. Quando eu lá joguei, o clube estava bem, nunca pensei que pudesse cair nessa crise. Pelo que soube, teve a ver com uma empresa espanhola que comprou o clube e depois foi à falência, mas sobre isso não posso falar, porque não sei de facto o que aconteceu.

QFS – E acredita que é possível um regresso à principal divisão do futebol português?

L – Claro que sim. Este ano já está difícil, mas espero que para o ano aconteça. Estou aqui a torcer por isso.


“Na Jugoslávia já tinha jogado finais, mas apoio como os adeptos do Farense não há”

QFS – É ainda hoje recordado pelos adeptos como um dos melhores guarda-redes que passou pelo clube. Sabe disso?

L – Muito obrigado. É um orgulho saber isso e ter feito parte de alguns dos melhores momentos da história do clube.



QFS – A sua primeira época (89/90), de resto, foi inesquecível...

L – Subimos e no mesmo ano fomos à final e à finalíssima da Taça. Foi uma entrada realmente inesquecível, uma temporada maravilhosa. Quando ganhámos ao Belenenses, nas meias-finais, e nos apurámos para a final, foi uma loucura, a cidade toda ficou em festa até à final e depois à finalíssima. Na Jugoslávia já tinha jogado finais, mas adeptos como os do Farense, em termos de euforia pela equipa, não há. Eram os melhores do país.

QFS – Foi uma desilusão a derrota na finalíssima?

L – Ninguém ficou feliz por perder, é óbvio, mas só o facto de chegarmos à final já foi muito bom. O Estrela da Amadora na altura tinha jogadores de prestígio, e também tivemos azar, falhámos alguns golos. Mas chegar lá foi um feito completamente inesperado, ninguém pensava que podia acontecer, éramos uma equipa da II Liga! A união daquele grupo fez toda a diferença. O Paco Fortes criou um clima de respeito entre todos, de família. Nunca houve problemas naquele grupo.

QFS – Foi difícil sair pela primeira vez do seu país, na altura ainda a enorme Jugoslávia, e ir jogar para a II Divisão?

L – Não foi fácil, sobretudo porque não falava português e fui contratado para jogar desde logo. Mas foi maravilhoso.



QFS – Foi titular absoluto da baliza do Farense durante três épocas...

L – E penso que merecei. Trabalhava muito para isso.

QFS – Foram os melhores anos da sua carreira?

L – Sim, posso dizer que sim. Gostei imenso de estar em Faro e no Farense. Viver três anos com aquela intensidade, chegar à final da Taça, subir de divisão logo no primeiro ano num clube com a dimensão do Farense, foi como ganhar o campeonato.

QFS – Mantém o contacto com colegas desse tempo?

L – Sempre. Tenho muitos amigos em Faro, com quem tenho contactos diários. Vou matando assim as saudades!



“A presença na final da Taça foi um prémio de Carlos Queiroz”

QFS – Ainda perdeu mais duas Taças, mas acabou por ganhar uma no Sporting. Estava difícil...

L – Mas ganhei uma Supertaça no Boavista logo no primeiro ano, ao Porto. Nesse ano ganhámos três vezes ao Porto. Foi fantástico ganhar um troféu ao campeão e nas Antas. Mostrámos toda a nossa capacidade, tínhamos uma equipa fabulosa.

QFS – Nesse ano viria a perder a final da Taça para o Benfica por 5-2.

L – Entrámos muito corajosos, mas o Benfica ganhou bem. O Futre tinha voltado há pouco tempo e fez um grande jogo. Mas foi uma excelente partida, com um público extraordinário, com golos, um penálti defendido...

QFS – É verdade, o Lemajic defendeu o penálti do William...

L – Como defendi contra o Porto e contra o Sporting. Defendi contra os três grandes (risos)!



QFS – E como se deu a chegada ao Sporting já com 32 anos?

L – Na verdade, a minha passagem pelo Boavista foi uma ponte para o Sporting. É que o presidente Valentim Loureiro era do Sporting e a maneira que arranjou para me impedir de ir para o Benfica, que me queria nesse ano, foi contratar-me e prometer-me ao Sporting no ano seguinte. E assim foi. Mas a questão da idade não se coloca quando uma pessoa trabalha bem e é profissional. Tanto assim é que, quando saí do Sporting, ainda joguei um ano no Marítimo e depois mais dois na Escócia (Dumferline).

QFS – No Sporting travou um interessante duelo com Costinha, que curiosamente já tinha jogado consigo no Boavista...

L – Nunca o vi como um rival. Era um jogador jovem, de grande futuro, e apoiei-o sempre a crescer. Era uma óptima pessoa e um excelente guarda-redes.

QFS – E esteve na célebre noite dos 3-6 em Alvalade, contra o Benfica...

L – É uma noite que fica para a história. O João Pinto nunca mais na vida marcava três golos ao Sporting, só naquela noite! Se calhar entrámos com algum excesso de confiança: estávamos em primeiro e pensámos que ninguém nos podia vencer...



QFS – Na final da Taça 94/95, que o Sporting ganha ao Marítimo (2-0), entrou aos 87 minutos. Foi um prémio do treinador Carlos Queiroz?

L – Eu comecei a época a titular, mas depois lesionei-me. O Costinha agarrou o lugar e nunca mais saiu. O Carlos Queiroz é um grande treinador, que cresceu muito com a passagem pelo Sporting. Respeita muito os jogadores e deu-me esse prémio porque achou que eu merecia participar nem que fosse um minuto nessa conquista.

QFS – Nesse ano, até defrontou por duas vezes o Real Madrid, na Taça UEFA!

L – Sim, e podíamos ter passado a eliminatória. Depois de perdermos 1-0 em Madrid, em casa jogámos bem, ganhámos bem, mas a bola não entrou mais [o Sporting ganhou 2-1]. Falhámos muitos golos e depois o [Michael] Laudrup marcou o único golo de cabeça na vida! Tivemos azar. Depois o Real perdeu em casa [com o modesto Odense, da Dinamarca]. Perdemos uma boa oportunidade de chegar longe. E merecíamos o título de campeão nacional. Só faltou isso, ficou essa amargura.

QFS – Curiosamente, no ano em que vence a Taça, o Farense apura-se para a Taça UEFA! Surpreendeu-o?

L – Sinceramente, não. Era uma surpresa se soubesse que ali não se trabalhava bem, mas não era o caso. O clube estava bem, jogava bem e não me surpreendeu.



QFS – E como surgiu o interesse do Marítimo?

L – O Sporting prometeu-me que ia renovar comigo por dois anos, depois mudaram de opinião. Como queriam o Paulo Alves, iam meter-me no pacote dessa transferência e enviar-me para o Marítimo. Brincaram comigo, perdi a confiança neles e por isso rescindi. Já como jogador livre, recebi uma proposta... do Marítimo. Aceitei e passei lá um ano agradável, a equipa jogava bem, o clube era bem organizado e a Madeira muito bonita.

QFS – Chegou a ir à seleção da Jugoslávia?

L – Fui uma vez.

QFS – E gostava de ter representado o Montenegro??

L – Sim, se na altura fosse possível, gostava muito de ter jogado pelo Montenegro.

"Ró-Ró tem muito futuro"
QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

L – No Farense, Ricardo, Mané e Pitico. No Boavista, Sánchez, Alfredo e o capitão Casaca. No Sporting, Figo, Peixe, Iordanov, Vujacic... E no Marítimo o capitão Carlos Jorge.

QFS – E treinadores?

L – O Paco Fortes, o Manuel José, o Carlos Queiroz. Que não me treinaram, mas que eram muito bons e por quem tinha muito respeito, havia o Toni, o Eriksson, o próprio Jorge Jesus.

QFS – Nos últimos anos foi treinador de guarda-redes da seleção do Montenegro e também passou pelo Al Ahli, do Qatar...

L – Sim, estive muitos anos na seleção e depois surgiu a possibilidade de ir para esse clube, onde acabou a carreira o Guardiola. O Qatar é um país muito rico, mas ainda amador no futebol. Pode ser que cresça com o Mundial lá em 2022. Mas vai ter de se jogar no inverno; no verão é impossível, as temperaturas rondam os 48 graus. É impensável jogar futebol nessas condições. Só para malucos! O campeonato lá pára nessa altura, não anda ninguém nas ruas, fica tudo fechado em casa com ares condicionados.

QFS – Aí encontrou o Ró-Ró, que completou a formação no Farense e ainda jogou na primeira equipa. Sabia disso?

L – Sim, sei tudo sobre ele. Chegou a meio da época [2010/11] e gostou do clube e do país. Além disso, é muito bom jogador, trabalha muito e é um jogador de grande futuro, merece uma oportunidade num clube maior. Encontrei mais gente que conhecia de Portugal, como o Paulo Autuori e outros que foram trabalhar para a Academia. É um país que aposta forte porque quer evoluir no futebol, embora agora esteja a dar os lugares mais importantes aos espanhóis, por serem os campeões da Europa e do mundo.

QFS – Deixe uma mensagem para os adeptos do Farense.

L – Desejo de todo o coração que consigam regressar à I Divisão. Mesmo nesta parte do mundo, continuo sempre a acompanhar e a torcer pela subida.



sábado, 8 de março de 2014

Paixão

 


“Gostei de todas as épocas que passei no Farense”

Quantos Farenses somos? - Olá, Paixão. Como está? Continua ligado ao futebol, depois de ter treinado o Algarve United na época passada?

Paixão – Não, este ano estou afastado do futebol. Estou a trabalhar na Câmara de Vila Real [de Santo António].

QFS – Continua a seguir o Farense?

P – Sim. Não tenho conseguido ver jogos, este ano ainda não vi nenhum, mas sigo os resultados pela comunicação social. Penso que esta direcção está a fazer um bom trabalho, tem de se lhe dar valor. O Farense esteve muito em baixo e agora está bem, está no bom caminho.

QFS – Recorda com saudade os anos que jogou em Faro?

P – Claro que sim, porque passei lá muitos bons momentos. Nem consigo destacar uns mais do que outros, porque gostei muito de todas as épocas que joguei no Farense. Mas pronto, o momento alto terá sido o do ano em que nos apurámos para a Taça UEFA [94/95]. Foi uma loucura, Faro parou. Foram os dois momentos mais altos da história do clube, a finalíssima da Taça [em 89/90] e a ida à Europa.



QFS – Essa época foi inesquecível, com vários resultados históricos.

P – Só empatámos com o Sporting em casa, de resto ganhámos aos grandes todos. Ganhámos 5-1 ao Leiria, se não me engano, e eles tinham uma grande equipa nesse ano. Ganhámos ao Boavista, ao Marítimo… Mas claro que o 4-1 ao Benfica foi um momento de alegria inexplicável, foi uma loucura. Não era qualquer equipa que conseguia esse resultado com o Benfica.

QFS – Ficou de fora dos jogos com o Lyon. Estava lesionado?

P – Sim, estava a recuperar de uma operação feita no fim da época anterior. Foi uma pena, fiquei tão perto de jogar nas competições europeias, mas é assim a vida.

QFS – Chegou a capitanear a equipa, se não estamos em erro…

P – Fui capitão, sim. Durante algum tempo fiz parte da hierarquia e quando saiu o Hajry e também o Hassan passei para principal.



QFS – Como foi saltar directamente da II B, no Lusitano VRSA, para a I Liga?

P – Não me custou nada adaptar, porque encontrei lá ex-colegas como o [Miguel] Serôdio, o Hugo, o Lima, e treinadores também já conhecia o falecido Joaquim Sequeira, o Fanã, o [Manuel] Balela. Foi fácil para mim. E ainda por cima estava perto de casa, qualquer coisa ia a Monte Gordo (risos).





“O Bilro é um bocadinho mais vaidoso que eu”

QFS – Tem a noção de que para os adeptos é um ícone desse Farense?

P – Acho que isso se deve à imagem que eu transmitia, o querer. Fui um jogador que sempre trabalhei, sempre mostrei garra, vontade, e as pessoas olhavam muito para isso.

QFS – Há até quem compare agora o Gualter Bilro a si pelo estilo de jogo e se calhar também pelo cabelo (risos)…

P – Ele é um bocadinho mais vaidoso (risos)! Usa bandeletes, eu nunca usei nada dessas coisas. Mas conheço-o bem, joguei com ele no Beira-Mar [de Monte Gordo] e é um rapaz com muito valor. Muito trabalhador, é um grande profissional e ainda pode chegar longe.

QFS – Marcava muito poucos golos – pelo Farense, a nível oficial só marcou um já na última época da primeira estadia (98/99) e de penalty. Porquê?

P – Fazia o que me pediam, e as ordens que tinha eram só para defender. Tinha de me adaptar às necessidades da equipa, e fi-lo sempre. Mas eu marquei vários golos nos outros clubes por onde passei. Antes de chegar ao Farense, era médio ofensivo no Lusitano e marcava alguns golos. E no último ano de carreira, no Beira-mar, joguei a ponta de lança e marquei quase 20 golos!

QFS – E como surgiu esse golo de penalty, assim de repente?

P – Aí já foi uma questão de estatuto. Eu era o capitão e assumi a marcação do penalty.

QFS – No Farense jogou em várias posições…

P – Era lateral-esquerdo, mas joguei a central, a lateral-direito, a trinco… Sentia-me bem em qualquer posição, só queria era ajudar a equipa.

QFS – Continua a ser saudado em Faro pelos adeptos?

P – Sim, deixei lá muitos amigos. Só tenho a dizer bem do clube e de toda a gente. Quando lá vou, muita gente reconhece-me, fala comigo não só de futebol, mas de tudo um pouco.



“Nunca seria capaz de pôr o Farense em tribunal”
QFS – Porque saiu no fim de 98/99?

P – Por divergências com o treinador, o senhor João Alves. Para mim, as pessoas têm de ser sinceras e frontais. Estava em fim de contrato, o clube propôs-me a renovação (o próprio João Alves queria que eu ficasse), mas preferi sair.

QFS – Que divergências foram essas?

P – Naquela altura eu só contava para os jogos fora, em casa nunca jogava. Questionei o porquê disso acontecer, porque se era bom para jogar fora, também servia para jogar em casa. Acho que interpretaram mal isso e não gostaram, foi por isso. Mas ainda hoje falo com o João Alves, ele chegou a convidar-me para ir com ele para outros clubes. Não tenho problemas com ninguém.

QFS – Chegou a ter convites de outros clubes?

P – Tive vários, de clubes da I Liga e de Espanha. Mas nunca quis sair, eu gostava de estar no Farense, sentia-me bem lá. E nunca pus o clube em tribunal, nem hei-de meter. Saí de consciência tranquila. Depois da última época (2003/04), deram-me sempre a palavra que me iam pagar depois os vários meses de salários em atraso e eu acreditei sempre – até hoje, não pagaram nada. Mas o Farense é o Farense, nunca o vou pôr em tribunal.

QFS – Mas nunca sonhou chegar ainda mais alto?

P – Qualquer jogador o quer, mas depois acabou por não acontecer. Quando estive na Naval, queriam que renovasse, mas depois o Paco [Fortes] convidou-me para ir com ele para o Imortal e não podia recusar. Mas foi um projecto completamente falhado, a direcção era uma só pessoa, o presidente [Fernando Barata]. Depois o José Veiga mandava jogadores do Brasil que não tinham qualidade mas tinham de jogar, aquilo foi um pandemónio. O objectivo era subir à I Liga, mas a equipa acabou por descer. Rescindi a meio, nem cheguei ao fim da época.



QFS – Porque voltou ao Farense em 2003/04?

P – Foi para ajudar. Estava em Monte Gordo, mas as pessoas da direcção falaram comigo e acabei por aceitar. Não correu muito bem, porque o Farense já estava muito mal, não havia dinheiro e o plantel tinha muitos jogadores muito novos, muito inexperientes.

QFS – Que sentiu quando o clube acabou?

P – Ficámos todos muito tristes. O Farense sempre teve muitos problemas a nível financeiro, mas os grandes profissionais que ali jogavam não deixavam cair o clube. Continuo a falar com muitos deles, o Miguel [Serôdio], o Hugo, o Portela, o Hassan, a malta toda. Ficou uma grande amizade. Só assim é que conseguíamos suportar as crises financeiras do clube. Chegámos a ter seis, sete meses de salários em atraso, mas confiávamos muito nas pessoas, acreditávamos sempre que tudo se resolveria.

QFS – Mais tarde teve uma aventura em Espanha…

P – No San Roque de Lepe. Eles conheciam-me por ser dali perto, convidaram-me e aceitei. Foi uma excelente época, subimos à II B. Tínhamos uma boa equipa, o treinador era um rapaz sério. Gostei muito da experiência.


"Stevanovic era jogador, um craque"
QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

P – O Hassan era um fora de série, uma máquina de marcar golos. E como o Hajry, havia poucos. Tinha uma qualidade técnica muito acima da média. E houve um rapaz jugoslavo, o Stevanovic. Esse era jogador, muito bom mesmo. Era um craque do futebol. Não precisava de treinar, só de jogar. Curiosamente, ganhámos 1-0 ao Porto em 93/94 com um golo de cabeça dele, que era o seu ponto mais fraco. Lembro-me bem do lance, o Hajry marcou o canto e ele apareceu de cabeça.

QFS – E treinadores?

P – O Paco Fortes, claro. Mas o João Alves também era bom treinador, nos métodos de trabalho, durante os jogos, estava muito à frente. E aqui no Lusitano também tive um grande treinador, o senhor José Neto.

QFS – A experiência de treinador é para repetir?

P – Sinceramente, gostei muito e gostava de repetir. As experiências que tive não foram muito boas, porque tanto o Beira-Mar como o Algarve United acabaram nesses anos, mas os miúdos gostaram de trabalhar comigo, ainda hoje quando me encontram é “míster para aqui, míster para ali”. Sou um homem do futebol, sabe… Sinto que tenho coisas que posso transmitir, que posso ensinar. Quem sabe se não se vai proporcionar qualquer coisa na próxima época…

QFS – Como é o Paixão treinador?

P – Sou sério como era a jogar, levo tudo com muito rigor. Tinha familiares na minha equipa, o meu irmão, os meus primos, e não é fácil, é bastante mais difícil do que ser jogador. Tem de se ser um bom condutor de homens, basta ver o Mourinho. Ele une o balneário, os jogadores não falam mal dele, dão tudo por ele.


“Quando entrávamos e víamos aquele público, só queríamos ganhar por eles”

QFS – Desde 1994 para cá, diz-se que muito da força do Farense vem da sua claque, os South Side. Concorda?

P – Sem dúvida, mas não é só a claque, também o resto dos sócios e dos simpatizantes. É uma massa adepta muito forte, dão muita força aos jogadores, e cada vez mais, pelo que vou sabendo. Sempre me dei muito bem com os South Side, no último ano eu, o Hassan, o Carlos Costa íamos a alguns jantares que eles organizavam, falávamos muito com eles.

QFS – Tem algum recado especial para todos os adeptos?

P - Um abraço grande aos adeptos, a quem trabalha no clube, que tem feito um bom trabalho, e aos jogadores, claro, porque sem eles o clube não vai para a frente. Que a massa associativa continue sempre assim, a fazer do S. Luís um inferno para os adversários.

QFS – Essa ideia do inferno do S. Luís é mesmo real?

P – Sim, sempre foi. Os jogadores adversários, treinadores e até os jornalistas, todos diziam isso.

QFS – E a que se deve esse sentimento?

P – Era pela garra enorme que apresentávamos no campo, o campo curto, os adeptos muito próximos do relvado. É diferente ter os adeptos a 100 metros de nós do que tê-los mesmo ali em cima. Ir ao S. Luís não era só para enfrentar a equipa do Farense, era o público também. Nós jogadores quando entrávamos em campo, ouvíamos o hino e víamos as pessoas na bancada sentíamos logo aquele frio na barriga, sentíamos “Eles estão connosco, este pessoal todo, eles merecem que ganhemos por eles”.

QFS – Fica para sempre com o Farense no coração?

P - Sempre. O Farense é o Farense, vai ficar para sempre no coração. Os farenses costumam dizer que quem é de Faro, é Farense e é verdade. Eu não sou de Faro, mas fiquei para sempre farense.