Quantos
Farenses somos? - Olá, Tulipa. Que é feito de si, após 16 anos de
ter saído do Farense?
Tulipa
– Estive sempre ligado ao futebol. Joguei dois anos em Espanha,
ainda fiz mais um ou dois anos em Portugal e depois iniciei
actividade como treinador. É isso que quero fazer, é essa a minha
profissão. Por agora, enquanto não estou a treinar nenhum clube,
estou a colaborar com a SPORT TV, como comentador.
QFS
– E tem seguido o percurso do clube durante estes anos?
T
– Sim, até porque estando inserido nesta actividade temos de
conhecer todas as equipas. Além disso, há algum carinho meu pelo
clube e pela região.
QFS
– Como tem visto esta temporada do clube? Algumas convulsões...
T
– Sim, é verdade. No futebol, prepara-se sempre uma temporada com
o intuito de manter uma estrutura técnica, mas não tem acontecido
assim no Farense, tem havido muitas trocas de treinador. Já tive
oportunidade de ver alguns jogos ao vivo e o Farense tem um plantel
com alguma qualidade, bem pensado para a II Liga, bem constituído a
nível físico. Nesses jogos que fui ver, nomeadamente com o Porto B
no Olival, o desempenho coletivo da equipa foi bom. Faltou apenas
alguma maturidade para aguentar a vantagem (o Farense vencia 2-0 ao
intervalo, mas acabou por perder 4-3). Foi das poucas equipas que vi
criar tantas ocasiões de perigo ali.
QFS
– E como acha que vai terminar a época?
T
– Sinceramente, esperava que a equipa não tivesse caído naqueles
lugares. Lembro-me que, na época em que eu joguei no Farense
(1999/00), os jogos em casa eram decisivos, a união entre o público
e nós, equipa, tornavam-nos muito fortes. Hoje, o Farense está a
perder muitos pontos importantes em casa. Para já, é importante o
clube conseguir a permanência e depois estabilizar na II Liga para
um dia poder pensar na subida. Para atingir esse patamar, é preciso
ter uma estrutura forte por trás da equipa, muito sólida, e que as
pessoas e as forças vivas da cidade estejam activas e participativas
na vida do clube. Além disso, da estabilidade para quem trabalha,
também é preciso estabilizar financeiramente, e isso é difícil na
II Liga, onde não se usufrui de verbas muito significativas... É
preciso arranjar alicerces para conseguir voltar à I Liga, os clubes
que lutam pela subida normalmente têm investidores por trás.
QFS
– É uma luta árdua, mais ainda para os clubes do Algarve, numa
liga virada para o Norte...
T
– Sim, o desgaste é maior para as equipas do Algarve, há muitos
jogos a Norte. Mas uma coisa que sempre notei nos meus tempos de
jogador e também já como treinador é que as equipas do Sul não
são tão agressivas, são algo macias. Quando treinei o Estoril
tentei contrariar isso, e apesar das enormes dificuldades financeiras
por que o clube passava na altura, conseguimos contrariar isso e
terminámos em 7º e em 4º lugar. O Farense tem de conseguir um bom
trabalho em termos de scouting, tem de ter um controlo muito
importante em toda essa gestão, de modo à equipa não perder
qualidade quando faz rotação do plantel. Isso e apostar também na
formação, é muito importante aproveitar os jogadores da casa.
“É
fundamental não haver nada que perturbe o grupo”
QFS
– Tulipa não faz parte do seu nome. Como surgiu então essa alcunha?
QFS – Chegou a Faro com 27 anos, já com uma reputação assinalável (formado no Porto, campeão mundial de sub-20 em 1991, internacional A português). Quais eram as suas expectativas?
T
– Quando era miúdo e jogava na rua, na equipa todos tínhamos alcunhas. Eu, como era mais novo e mais frágil que os outros, queria sempre falta, até que um começou a dizer que parecia uma flor, e então lembraram-se de Tulipa... Foi simples assim. Depois comecei a jogar federado e nunca mais me chamaram pelo nome.
QFS – Chegou a Faro com 27 anos, já com uma reputação assinalável (formado no Porto, campeão mundial de sub-20 em 1991, internacional A português). Quais eram as suas expectativas?
T
– Foi uma opção minha. O clube estava com dificuldades e foi
comprado por um investidor espanhol, o Juan Antonio Hidalgo, que já
me tinha levado para o Salamanca e me convenceu que ia haver
investimento na equipa. Por isso, desvinculei-me do Marítimo e fui
para o Farense, pelo treinador (João Alves) e pelo projecto, que
passava por melhorar as classificações das temporadas anteriores e
não estar a lutar até ao fim pela manutenção.
QFS
– Mas acabou por ser precisamente esse o cenário (o Farense só se
salvou na última jornada de 1999/00, com uma vitória em casa sobre
o Belenenses por 2-1)...
T
– É verdade. Chegámos a ter uma situação muito vantajosa (cinco
pontos de vantagem sobre a linha de água a seis jornadas do fim),
mas acabámos por decidir tudo apenas no último jogo. É complicado,
é preciso um trabalho muito importante que tem de ser feito pela
estrutura, tem de mostrar segurança e confiança na equipa. Muitas
mudanças de treinador perturbam um pouco o grupo (nesse ano, o
Farense teve quatro treinadores). No caso actual do Farense, nomear
agora um treinador da casa pode ser importante, pois à partida é
quem melhor conhece a equipa que tem à sua disposição. Mas nós
tínhamos uma equipa de qualidade, não haja dúvidas sobre isso. E
tivemos alguns momentos extraordinários essa época, como o jogo com
o Porto, que estivemos a perder 3-1 e conseguimos empatar 3-3!
QFS
– Hoje, o Farense passa por uma situação igualmente complicada na
tabela. Que conselhos pode dar aos jogadores, tendo em conta o que
viveu na sua passagem pelo clube?
T
– É muito importante ter alguém que respalde e acredite no grupo,
nesta fase os jogadores ficam mais susceptíveis à irritação. É
fundamental não haver nada que perturbe o grupo ou que provoque
tensões individuais. A equipa técnica tem de ter um papel
importante nesse aspecto, e depois, claro, os jogos em casa têm de
ser determinantes. É aí que os jogadores têm de se sentir mais
confortáveis e ser acarinhados pelos adeptos.
QFS
– Mas no Farense, até nos jogos fora eles nunca se sentem sós,
têm sempre o apoio de adeptos fervorosos...
T
– É verdade, também pude comprovar isso nos jogos que fui ver. É
muito bom para os jogadores sentirem esse apoio em qualquer campo
onde jogam, cria uma atmosfera muito favorável para a equipa.
QFS
– Acabou por não marcar nenhum golo no Farense...
T
– Não era tanto de marcar. Era médio, era mais de assistências.
Se jogássemos com três médios, era o mais adiantado (número 10).
Se fosse num esquema diferente, jogava como 8 ou interior.
“No
Farense aprendi o que é lutar até ao fim”
QFS
– Sai logo no fim da primeira temporada no Farense. Porquê?
T
– Eu tinha entrado com umas
pessoas que depois saíram. Depois na parte final houve muita
confusão, havia a vontade que voltassem a ser pessoas da região a
assumir o clube, e eu tive uma oferta financeiramente mais vantajosa
de Espanha. Por isso, resolvi sair.
QFS
– Já tinha muitos anos de futebol ao mais alto nível, mas depois
não mais voltou aos grandes palcos...
T
– Sim. Joguei mais uns 2, 3 anos e depois acabei a carreira com 31
anos. Os jogadores têm de entender as limitações físicas também,
mesmo nesse ano no Farense tive alguns problemas com lesões. Depois
optei por estudar, porque tinha plena consciência que não estava
minimamente preparado para ser treinador logo quando acabei.
QFS
– Curiosamente, no regresso a Faro, marcou! E o Felgueiras venceu
1-0...
T
– É verdade. Nesse ano sim, o Farense tinha uma grande equipa para
a II Liga, equipa para subir (2002/03)! Com Bruno Alves e vários
outros jogadores de qualidade. Lembro-me do lance, consegui
interceptar a bola perto da área do Farense e marquei.
QFS
– Para quem nunca o viu jogar, como se descreveria enquanto
jogador?
T
– Jogador técnico, que gostava de ter a bola e controlar os tempos
de jogo da equipa, bom no último passe, normalmente fazia muitas
assistências, facilidade de jogar como extremo, médio ofensivo ou
segundo atacante.
QFS
– Esteve pouco tempo no Farense, e a época foi difícil, mas levou
boas recordações do clube?
T
– Tivemos muitos problemas numa fase inicial, porque como é
normal, um novo investidor quer sempre trazer pessoas da sua
confiança, e isso às vezes não é bem visto. Tornou-se mais
difícil por causa disso, mas depois chegou um treinador espanhol
(Ismael Díaz) e as coisas melhoraram muito, começámos a jogar de
forma mais desinibida. No fim, correu bem, conseguimos o objetivo
programado. No futebol vive-se de resultados, e por isso fica sempre
um bom sabor quando conseguimos os objectivos que pretendemos. Esse
dia do jogo com o Belenenses foi importante, uma grande festa. Gostei
muito da minha passagem pelo Farense, é um sítio muito agradável
para viver e trabalhar.
QFS
– Foi estando a par das dificuldades por que o clube passou?
T
– Sei que passou por muitas dificuldades, mas conseguiu reerguer-se
e isso é muito importante. Um clube que tem esta história e adeptos
assim, uma massa fervorosa, torna-se muito mais fácil voltar.
Comparo um pouco o Farense ao Salgueiros pela paixão dos adeptos,
pelas dificuldades que já tiveram de passar e por se estarem a
reerguer aos poucos.
QFS
– É um clube que lhe ficou no coração?
T
– Sim, gostei muito de jogar no Farense e viver em Faro, fiz boas
amizades, gostei de participar no objectivo a que nos propusemos. E
foi bom para me dar uma nova experiência, pois não estava habituado
a ter de lutar pela permanência, tinha passado poucas vezes por isso
na carreira. Ali compreendi o que é essa luta até ao fim.
QFS
- Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?
T
– Teria de dizer Figo, João Vieira Pinto, Rui Costa, e muitos
outros no Porto (juniores). O que mais admirava na juventude e com
quem tive oportunidade de treinar foi o Madjer. Mas é quase um crime
estar a destacar alguns, porque joguei com muitos grandes jogadores.
QFS
– E treinadores? Houve algum que o marcasse mais?
T
– Todos me marcaram um pouco, pelo bom ou pelo mau. Com todos se
aprende. Mas na formação passei pelas mãos dos melhores: Carlos
Queiroz, Jesualdo Ferreira... deram-me muito, aprendi muito com eles.
QFS
– Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?
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