Farense capa

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quinta-feira, 24 de março de 2016

Luizão




Quem conhece bem o Farense sabe que o seu lugar é na I Liga”

Quantos Farenses somos? - Olá, Luizão. Que é feito de si, passados mais de 20 anos desde que saiu do Farense?

Luizão – Continuei a minha vida desportiva no Brasil, como prospector de talentos. Tenho também várias escolinhas aqui em Minas Gerais, onde sou treinador, e agencio vários atletas. Já coloquei alguns no Palmeiras, no Flamengo, em clubes dessa dimensão. Passei até um período na Coreia do Sul. Aliás, no Verão passado cheguei a falar com o Barão – com o pai e com o filho! - a explicar que tinha aqui miúdos com muita qualidade e baratos, que podiam ajudar muito o Farense, mas não tive êxito, eles não se mostraram muito entusiasmados com a ideia, não mostraram abertura. Foi pena, porque eu sei da qualidade deles e que podiam ser mesmo muito úteis no Farense...

QFS – E tem estado atento ao percurso do clube durante estes anos?

L – Tenho acompanhado pelas notícias que vou vendo no Facebook e assim. Sei que está na II Liga e percebo que falta o poder financeiro para lutar por outro patamar... Mas quem conhece bem o Farense, a cidade, o clube, os adeptos, sabe que o lugar deste clube é na I Liga. Agora é preciso manter-se na II, mas aqui estamos sempre a torcer para que volte a alcançar o lugar que merece. Sabemos o valor que tem essa camisa.




QFS – Chegou a Faro muito jovem. Conhecia alguma coisa do Farense? Quais eram as suas expectativas?

L – Cheguei com 19, 20 anos. Curiosamente, vinha para ficar 9 meses... e acabei por ficar 8 anos. Comecei no Fluminense, mas eles nessa altura emprestavam muitos jogadores para equipas do interior do Brasil. Estive um ano emprestado a um clube pequeno de lá e de repente surgiu a hipótese de ir para o Farense. Eu era o contra-peso, porque quem o Farense queria mesmo era o Orlando. Eu fui com ele, supostamente para ganhar experiência durante 9 meses e depois voltar para o Fluminense. Nunca tinha ouvido falar do clube, sabia só que havia muitos brasileiros – o treinador também, era o Cláudio Garcia. E quando cheguei a situação era muito delicada, só tínhamos 3 pontos... Eu era um garoto, essa era a minha primeira experiência profissional. Foi como uma criança quando tem o primeiro brinquedo, uma alegria muito grande. Ganhei muito com essa experiência, num dos melhores campeonatos da Europa.

QFS – Ainda se lembra da estreia oficial no Farense?

L – Sim, perfeitamente. Foi com o Belenenses. Notei grandes diferenças no futebol português em relação ao brasileiro, porque aqui, os dois centrais faziam ora marcação, ora sobra. Mas no Farense não, havia um central que tinha a missão de marcar o avançado o jogo todo! Nesse jogo, o Cláudio Garcia pôs-me a marcar o Mapuata, que era um avançado muito forte. Cara, eu grudei nele como um carrapato, sabe? Onde ele tava, eu tava, era a sombra dele!




QFS – E cumpriu sempre essa função enquanto esteve no Farense?

L – Sim, o tempo todo. Todos os avançados, era o Luizão que tinha de marcar. Rui Águas, Fernando Gomes, Paulinho Cascavel... Corria o tempo todo atrás deles. Era um papel ingrato e muito desgastante, tinha de correr muito o jogo todo, e não dava para jogar nada: era marcar e mais nada. Há uma expressão que temos aqui no Brasil que descreve bem o que acontecia: eu roía os ossos e o outro central ficava com o filet mignon (risos)! Joguei ao lado de vários, Nilson, Orlando, Stefan, Jorge Soares, Marques... A minha função requeria muito esforço e uma enorme preparação física e mental.



QFS – Como foi, para um jogador tão jovem, chegar a um clube que tinha de lutar arduamente pela permanência (terminou em 15º em 1986/87)?

L – Era uma responsabilidade muito grande. Tínhamos de lutar pelos pontos em todos os jogos, cada jogo era um desafio para nós. Mas aprendi muito com isso e hoje passo essa experiência para os miúdos, transmito-lhes a importância de entrar em campo com a concentração a 100 por cento.


QFS – A segunda época já foi mais tranquila (12º em 87/88), mas a terceira correu mal (descida de divisão)...

L – É verdade, descemos. Mas houve uma coisa boa: mantivemos quase a mesma equipa para a época seguinte, e isso foi muito importante para o sucesso que tivemos nessa época. Foi um passeio na segunda divisão, a equipa era muito coesa, tinha bom entrosamento e isso facilitou a grande época que fizemos.


QFS – E essa maravilhosa temporada de 89/90, com a subida de divisão e a final da Taça? Foi a melhor da sua carreira?

L – Olhe, posso dizer uma coisa: chegar à final da Taça foi bom para toda a gente, menos para mim que não joguei (risos)! Fiz o percurso todo e mais uma vez, depois de roer os ossos, os outros é que ficaram com o filet mignon. Joguei em campos de terra, caía de peito, ralava a pele toda, braços, pernas, barriga... Depois na altura da final andava com um inchaço no músculo da coxa que não passava, andei meses assim, e ainda hoje não faço ideia o porquê, nem os médicos sabiam! Acabei por ficar de fora da final, no banco mas sem condições de entrar. Eu e o Orlando, que também tinha uma lesão grave. Mas fazíamos parte do grupo, e com todo o mérito. Foi pena perdermos, mas pronto. Às vezes ainda falo com o Nélson Borges, que marcou um golo (pelo Estrela, depois de já ter jogado no Farense), com o Duílio... Sim, pode dizer-se que foi uma das melhores épocas que passei.

QFS – E a romaria dos adeptos de Faro (e até de todo o Algarve) ao Jamor na final e depois na finalíssima, recorda bem isso?

L – Oh, claro que sim! Posso dizer que foi aí que vimos bem o quanto o Farense é grande e o quanto a torcida ama o clube! Por isso não tenho dúvidas que merece estar num lugar melhor, pela maneira como os adeptos amam esse clube!


Quando os grandes vinham a Faro, eles mesmo achavam que empatar já era bom”

QFS – Em 90/91 estreou-se finalmente a marcar pelo Farense, num jogo em que também marcou um auto-golo!

L – É verdade. Foi uma tristeza quando marquei esse auto-golo. Na minha cabeça, ia atrasar devagarinho para o Zé Carlos, mas quando olhei vejo a bola a entrar no cantinho... Só falei para mim mesmo “Isto não vai ficar assim, vou corrigir o meu erro!” Então, a partir daí só pensava em marcar para me redimir, sempre que podia ia para a área! Sou sempre assim na vida, enquanto não consigo emendar os meus erros não descanso. E naquela posição, nós ficamos muito tristes quando cometemos um erro que prejudica a equipa. Mas fiquei inconformado, não sosseguei enquanto não marquei e, num canto, lá marquei de cabeça.


QFS – Mais tarde, marcou mais golos importantes, um dos quais na Luz!

L – Esse foi um golo no susto, eu não esperava que o Djukic falhasse o remate. A bola sobrou sem eu contar, mas dei-lhe um toque suavezinho e ela entrou. Estivemos muito perto de vencer esse jogo, mas o Portela colocou lá o avançado do Benfica em jogo e deu empate, infelizmente. Mas o 1-1 já foi um grande mérito, era quase impossível nessa altura o Farense somar pontos em casa dos grandes, equipas que lutavam pelo título. Empatar lá já era uma vitória! Mas em casa era outra história...

QFS – Pois, é conhecida a expressão “inferno de São Luís” para descrever o que os grandes passavam em Faro...

L – É, quando vinham a Faro, eles é que já vinham a pensar que o empate seria um bom resultado! Já vinham apertados (risos). As dimensões do estádio, do campo, com a torcida muito em cima, a pressionar, influenciava muito a auto-estima dos jogadores. Aquilo pegava fogo, era a Bombonera de Faro (risos)! Dava-nos uma motivação muito grande, e aí, o bicho pegava para eles (risos)!


QFS – Sai no fim da temporada 1993/94, depois de 8 anos no Farense. Porquê?

L – Eu já fazia parte da mobília da casa, mas aí houve uma mudança directiva e senti muita má vontade do novo presidente, acho que era o Gomes Ferreira. Não mostrou muito interesse que eu continuasse, queria baixar muito as minhas condições salariais e eu senti-me mal. Queria muito ficar, mas preferi sair. Sempre vesti a camisola do Farense com muito amor, muitas vezes joguei com contusões, com a canela rebentada, mas dentro do campo tem de se lutar pelo clube. Cheguei a fazer um jogo em Santo Tirso cheio de gripe, e uma vez os médicos receitaram-me um remédio errado, que já era proibido e eles não sabiam, então acusei doping. Até por erro médico paguei. Por tudo isso, senti que houve falta de reconhecimento por parte da nova direcção do Farense. E por isso saí.
QFS – Assinou então pelo União da Madeira, onde tinha a missão de substituir Marco Aurélio, ex-campeão brasileiro no Vasco da Gama que foi para o Sporting...

L – Ele só foi para o Sporting porque eu assinei pelo União! Eles só aceitaram vendê-lo depois de terem certa a minha contratação. E sabe, aí, estava eu de férias, o Porto tentou-me contratar. Cheguei a falar com o José Veiga, até com o Reinaldo Teles, que era o braço-direito do Pinto da Costa. Mas já tinha dado a minha palavra ao União e não quis voltar atrás, fiz o que achava certo.


QFS – No União e no Tirsense já não foi tão feliz, acabou por descer nas duas épocas...

L – O União era um clube meio amador, muito pouco profissionalismo. Era um lugar muito bom, pagavam tudo certinho, mas não tinha condições. Quando chovia, não podíamos treinar, porque o campo ficava alagado. Então, de vez em quando o treinador levava-nos para a piscina, parecíamos peixes! E como eu não sei nadar, nessas sessões não fazia praticamente nada... Isto num clube profissional, para jogar com um Porto, um Benfica, um Sporting... não dava. E depois era um plantel com muitos estrangeiros, e tivemos muitas lesões... E o Tirsense tinha dirigentes malandros, pessoas indignas que me passaram cheques sem fundo. Ficaram a dever-me muito dinheiro. O Farense também, mas com o passar do tempo fui recebendo até ficar tudo saldado.
QFS – E foi expulso logo no regresso a Faro, pelo União!

L – Fui, mas aconteceu ali algo de premeditado. A expulsão não foi normal, não houve nenhuma entrada violenta nem agressão. Eu senti, assim que entrei no relvado, que alguma coisa ali não estava certa. Houve alguma falta de respeito de ex-colegas meus, o Djukic levou o tempo todo com provocações, o Sérgio Duarte puxava-me o cabelo... Foi tudo muito esquisito. Às vezes há pessoas que querem dar mais espetáculo do que o jogo em si. Dentro de casa são leões, até fazem chover, mas fora são gatinhos. Eu sei do que falo, porque estive muitos anos no Farense. O Djukic agarrava, puxava, e quem acabou expulso fui eu...
QFS – Para quem nunca o viu jogar, como se descreveria enquanto jogador?

L – Era aquele atleta dedicado, concentrado, que se preocupava muito com a sua missão, com as suas obrigações. Entrava em campo para cumprir e dar o melhor pela equipa. Punha sempre o Farense em primeiro lugar, vestia verdadeiramente a camisola.


É preciso que os jovens apoiem a equipa, eles é que a poderão levantar no futuro”



QFS – Acredito que guarde boas recordações do Farense...

L – As melhores! Tenho um carinho muito grande por Faro, pelos farenses, pelo Algarve. Foi o clube que me marcou, onde passei grandes momentos, grandes êxitos, grandes vitórias, grandes conquistas, e até o facto de estar a dar esta entrevista me deixa muito feliz e mostra que fiz um bom trabalho.. Só fiquei triste por sair. Tenho amor pelo Farense, a torcida, as pessoas. Foi uma grande honra jogar no Farense. Identifiquei-me muito com o clube e com a cidade e tenho muitas saudades e vontade de voltar um dia. Quem sabe vá lá de surpresa nos próximos tempos (risos). Deixei aí muitos amigos, é uma cidade muito boa, que nunca vou esquecer.

QFS – Ainda fala com colegas desse tempo?

L – De vez em quando, no whatsapp ou no Facebook. Dirigentes também. Mais assim em datas específicas, como Natal ou Ano Novo.

QFS – Mesmo longe, foi estando a par da situação do clube na sua fase mais complicada?

L – Sim, fui sabendo, os amigos falavam que estava numa situação má, que esteve na distrital... Depois com o tempo fui vendo notícias que já estava a subir novamente, que o estádio foi melhorado...

QFS – E como se sentiu ao saber de tudo isso?

L – Quando soube dessa queda fiquei muito triste. Estava acostumado a lembrar-me do Farense na I Divisão, sempre cheio de público nos jogos todos, até nos treinos! Muitas vezes nós jogadores íamos para os treinos e pensávamos “Parece que vai haver jogo!” Então, depois de tantos anos a viver isso no clube, ver o estádio vazio, meia dúzia de gatos pingados, o clube tão em baixo... Foi muito triste. Mas hoje, torço para que tudo dê certo e o clube volte rapidamente à I Liga.

QFS – Hoje, a afluência do público não está tão forte...

L – Tem a ver se calhar com a má posição da equipa na II Liga. Quando a equipa ganha mais vezes, cria-se um clima melhor, mais positivo. Os adeptos começam a acreditar mais. Quer se queira ou não, o futebol é movido por vitórias. O bom trabalho da equipa faz os adeptos acreditarem mais. É preciso que os jovens vão aos jogos e apoiem a equipa, são eles que no futuro poderão levantar o clube. E além disso, é precisa sabedoria da directoria.

QFS – Por falar nisso, o clube corre agora o risco de perder 5 pontos por utilização irregular de um jogador...

L – Sério? Não... Isso é que não pode ser. Um clube profissional, que sonha subir de divisão para uma I Liga, não pode cometer esse tipo de amadorismos... depois vai chorar o leite derramado, ainda por cima se agora está a lutar pela permanência.

QFS – Depois de tudo o que já disse, esta pergunta é um pouco redundante, mas vamos fazer na mesma: o Luizão ficou com o Farense no coração?

L – Claro que sim. Foi o meu primeiro clube internacional, um clube de que aprendi a gostar, de uma cidade onde fui muito bem acolhido e sempre bem tratado pela torcida. Não tenho nada a reclamar. Tenho Faro e o Farense no coração, amo o Farense, é o meu clube do coração, e terei esse carinho para toda a vida.

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

L – Olha, para mim, o melhor jogador não é aquele craque que faz um grande jogo mas que depois noutros desaparece, não está lá... O melhor é aquele que está lá a temporada toda, que se dedica ao clube, e desses tive vários. O Orlando, que dedicou a vida ao clube, mesmo com o joelho destruído, sempre se preocupou muito com o clube. Era aquele colega que morávamos juntos e quando perdíamos, ficávamos tristes, analisávamos muito as derrotas... O Celso, guarda-redes; Jorge Andrade, Hajry, Hassan, mesmo o Paco (Fortes) quando jogava... O Pitico, o Mané, o próprio Ricardo... Eram todos bons jogadores. O nosso segredo era a união dentro do campo, sabe? No futebol ninguém é obrigado a gostar de ninguém, mas com a camisola o objetivo era só um. Eu sempre fui um cara fechado e quando cheguei ao Farense, o relacionamento era muito pesado no balneário (depois foi melhorando). Mas dentro do campo, lutávamos todos pelo mesmo objetivo.

QFS – E treinadores? Houve algum que o marcasse mais?

L – Sinceramente, a nível profissional, nenhum me marcou especialmente. Foram todos normais. Só a nível amador ainda, o treinador que apostou em mim, na minha carreira quando era jovem: o Ernesto Paulo, um brasileiro que mais tarde ainda me voltou a treinar no União da Madeira.

QFS – Uma curiosidade: hoje, há um Luisão reconhecido no futebol português, mas o primeiro Luizão foi você!

L – É verdade. Eu não conheço bem o Luisão, porque não tenho seguido muito os jogos dele desde que foi para Portugal. Saiu do Cruzeiro, é filho de um grande central brasileiro (Amaral), jogador de selecção. Mas são épocas diferentes, não dá para comparar o meu estilo com o dele. Mas sim, eu fui o primeiro Luizão do futebol português!

QFS – Quer deixar uma mensagem para os adeptos?

L – Desejo boa sorte para o clube, que o Farense se encontre e possa voltar à I Liga novamente, para esses adeptos terem a alegria que merecem. Sempre se dedicaram ao clube, sempre estiveram presentes, nunca deixaram de apoiar. Depois de tantos anos de luta e sofrimento, espero que o Farense possa dar esse presente para essa torcida linda e apaixonada pelo clube.


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