Farense capa

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terça-feira, 14 de abril de 2015

Sérgio Duarte





“No meu tempo, era impensável perder em casa" 

Quantos Farenses somos? - Olá, Sérgio. Que é feito de si? 

Sérgio DuarteEstou em Manaus, no Brasil. Sou treinador do Iranduba, um clube que compete no campeonato estadual de Amazonas. Estamos perto da zona de descida, vamos ver como vai correr até ao fim.

QFS – E já treinou outras equipas antes?


SD – Sim. Em 2009 fui campeão amazonense, pelo América, e em 2010 fomos vice-campeões da Série D e subimos à Série C, um feito fantástico para uma equipa do Amazonas, que ninguém acreditava que fosse possível.




QFS – E o Farense, continua a acompanhar?

SDVou vendo os resultados pela internet. Estive o ano passado em Faro e fui ao São Luís ver um jogo, já não me lembro contra quem. Estive com o Manuel Balela e falei com muita gente pela cidade, na rua de Santo António e por aí. Fui ao restaurante Rainha, onde gostava muito de ir quando jogava no Farense. E muita gente me reconheceu e falou comigo. É sempre bom.

QFS – Que lhe parece esta temporada do clube?

SDParece-me estar a fazer uma campanha equilibrada. Por acaso quando estive aí, comentei com o Balela: "Acho que no nosso tempo tínhamos mais equipa!"

QFS – E acredita num regresso à I Liga num futuro próximo, ou acha que ainda é cedo para se colocar essa questão?

SDPara já, penso que é preciso equilibrar e estabilizar na II Liga para depois poder tentar outros vôos para o ano. No futebol não há impossíveis: se a equipa conseguir manter-se este ano, o importante é ir buscar os jogadores certos para a próxima época. É um campeonato difícil, mas com bons jogadores e com um plantel com muitas opções, é possível. O essencial é fazer a maioria dos pontos em casa e depois tentar ir buscar alguns fora. O objectivo tem de passar por somar sempre.

QFS – Este ano a equipa tem tido algumas dificuldades em casa, até já perdeu 0-5 com o União da Madeira...



SDUi... A sério? E eles estão ao menos a lutar para subir?
QFS – Sim, estão nos primeiros lugares.


SDPois. Mesmo assim, isso no meu tempo era impensável. Perder pela diferença mínima em casa já era tremendo. Mesmo nós, os jogadores, não aceitávamos isso. Sempre fomos feitos de muita garra, era esse o segredo do sucesso das nossas equipas, mais ainda do que pela qualidade dos jogadores.
QFS –Falava-se sempre do inferno de São Luís...


SD – É verdade. Quando as outras equipas vinham a nossa casa já sabiam que ia ser muito complicado. Lembro-me de muito poucas derrotas em casa. Havia uma união muito grande entre a equipa e os adeptos, o estádio estava quase sempre cheio. Fazíamos com que a torcida jogasse connosco. Mesmo quando não jogávamos bem, notava-se o empenho. A nossa equipa tinha jogadores que criaram uma identidade muito forte com o clube e com a cidade, mesmo quem era de fora, como eu.
QFS – Hoje, parece que os adeptos não estão tão ligados à equipa...


SD – A equipa leva os adeptos. A partir do momento em que estiver bem, a jogar bem, é claro que os adeptos se motivam. É preciso ter uma equipa melhor, quando isso acontecer, os adeptos vão acompanhar. A equipa tem é de produzir em campo. Se começar o campeonato bem e estiver nos lugares mais cimeiros, o adepto vai muito mais ao estádio.




O Algarve tomou conta de Lisboa na final da Taça

QFS – Como se deu a sua chegada ao Farense?

SDHavia lá um empresário, creio que se chamava Joaquim Alencar, que tinha contactos no Farense. O treinador, que era o José Augusto, e o presidente Fernando Barata precisavam de um trinco, ele falou-me dessa possibilidade e aceitei. Treinei uma ou duas semanas com a equipa e passado esse tempo, o mister disse-me para ligar à família e avisar que só voltava lá nas férias. No início, até me levou para a casa dos tios dele, que ficava perto do estádio. Fiquei lá bastante tempo, e depois fui viver com o Mané
QFS – Conhecia alguma coisa do futebol português?

SDConhecia Benfica, Sporting e Porto. Lá davam alguns jogos do campeonato português, lembro-me de ver por exemplo o Paulinho Cascavel ainda antes de jogar no Sporting. Mais tarde é que fiquei mais a par do campeonato e do Farense, descobri depois que o José Augusto era um nome grande de Portugal e do Benfica, o Benje, que era o nosso treinador de guarda-redes, também. Talvez por ser de fora e ser tão novo, todos me tratavam muito bem. E depois tinha lá brasileiros, o Nilson, o Gil, o Roberto, o Celso, o Pitico, o Orlando, o Dicá, o Helinho, o Ricardo, o Helcinho, o Stefan, o Adilson. Havia ainda o Alhinho, que tinha jogado em Manaus, o Luizão também. A nossa convivência era muito boa.


QFS – Ainda se lembra do seu primeiro jogo na I Liga?

SDDo primeiro na I Liga não me lembro, mas sei que o primeiro foi um amigável a meio da semana, à noite, com o Olhanense. Marquei um golo de cabeça. Não era muito de marcar golos, mas lembro-me de um jogo com o Guimarães, em que ganhámos acho que por 4-1, que marquei dois. Num deles peguei na bola na nossa área, corri com ela o campo todo e ainda tive força para marcar o golo. Foi o melhor da minha carreira.



QFS – Na primeira época até marcou o golo da vitória num jogo com o Sporting! Mas a equipa desceu de divisão...

SDO Sporting era um timaço! Marquei também de cabeça ao Rodolfo Rodríguez. Quando comecei a jogar a equipa já não estava numa boa posição. Estive muito tempo sem poder jogar por causa do certificado internacional que nunca mais chegava, foram praí três meses. Não conseguimos muitos pontos fora, foi o que falhou. Mas no ano seguinte foi uma época maravilhosa! Fomos campeões indiscutíveis da II Liga e chegámos à final da Taça!


QFS – Esse foi o momento alto da sua passagem pelo Farense?



SD – Foi uma coisa que mexeu com todo o Algarve e com todo o Portugal! Só percebemos mesmo a dimensão desse feito quando fomos no autocarro até ao Jamor: nas ruas era só pessoas de branco e preto, muita gente mesmo! O Algarve tomou conta de Lisboa nesses dias!




QFS – Chegar à final já foi uma vitória, ou queria mais?
SDEu na altura disse ao Mané: "Já entrámos na história por ir à final? Então porque é que não podemos entrar sendo campeões?" Depois fiquei tão chateado com a derrota que me retirei do campo assim que o jogo acabou, nem recebi a medalha. O pessoal entregou-ma depois, eu pedi desculpa e disse que não tinha cabeça para estar lá em cima. Porque vi que éramos mais equipa, o Estrela fez dois golos contra a corrente do jogo. Mas quando chegámos a Faro e vimos a festa, foi maior do que fizeram na Amadora! Foi uma verdadeira festa de campeões. Aí já participei (risos)!
 

QFS – Passou mais 5 épocas na I Divisão pelo Farense, sempre como titular indiscutível!
SDÉ verdade, fui sempre dos mais utilizados, sempre com regularidade... até ao momento em que o Farense deixou de cumprir.

QFS – A sua rescisão com o clube, a três jornadas do fim de 94/95, continua na memória de todos os adeptos do Farense...

SDTodos sabíamos como estava a situação do clube naquela altura. Eu estava com três meses de salários em atraso mais alguns prémios. Mas o que pesou verdadeiramente na minha decisão foi uma reunião em que um dos directores, com o presidente lá, disse que os contratos eram para ser cumpridos. E eu disse: "Não falho treinos nem jogos, estou a cumprir com tudo!" A partir daí, disseram que pagavam quando tivessem condições e eu disse que se tivesse uma proposta melhor, estaria inclinado a aceitar. Acho que, pelos anos que eu já tinha de casa, eles acharam que não teria a coragem de sair. Mas o Boavista, que já me queria no início da época, fez-me uma proposta muito maior e cheguei a acordo. Foi um alvoroço total, o Farense para se proteger não deu a imagem real e disse que eu abandonei o clube.



QFS – Lembra-se como foi recebido quando foi ao São Luís jogar pelo Boavista?



SDNunca vi um jogador ser tão assobiado e vaiado. Assim que entrei para o aquecimento o estádio transformou-se logo, e cada vez que tocava na bola... mas fui o melhor em campo e o Rufai, com duas grandes defesas, impediu-me de marcar. Quando os meus colegas me falaram dos assobios, eu disse-lhes que era as saudades dos adeptos a falar!

QFS – E no Boavista, como correram as coisas?

SDNo primeiro ano fui titular indiscutível, depois joguei na Taça UEFA e ganhei a Taça de Portugal. Não joguei a final (3-2 ao Benfica), porque estava lesionado, mas marquei o golo decisivo nos quartos-de-final, contra o Estoril (1-0). O Boavista deu-me outra projecção.
QFS – Depois ainda jogou na Escócia, onde encontrou o Lemajic, antes de voltar para Portugal...

SDÉ verdade, ainda joguei com ele lá. Foi uma óptima experiência. Só voltei a Portugal para estar perto da família.

QFS – Ainda passou por vários clubes antes de se retirar já com 38 anos!

SDSim. Fui para o União de Lamas, o treinador era o Manuel Correia, antigo defesa do Chaves. Quando me viu perguntou logo "Ainda jogas à bola?" No Vizela fui treinado pelo Carlos Carvalhal, e ainda joguei na Ovarense e no Vilanovense e vim acabar aqui em Manaus. Ainda tinha genica, cuidava-me muito em termos físicos, gostava muito de treinar.

QFS – Para quem nunca o viu jogar, como se descreve enquanto jogador?

SDEra um jogador técnico, um médio com bom poder de marcação. Passava bem a bola, tinha força física e tinha um bom poder de jogo aéreo. Era trinco, mas gostava de subir e aparecer como elemento surpresa lá à frente. Não marcava muitos golos, mas fazia assistências. Os treinadores elogiavam-me todos por isso, por não ficar estático no meio-campo, por procurar sempre estar bem posicionado. Uma vez, o Manuel José, que me treinou no Boavista, disse-me: "Hoje só não te tirei por causa da tua cultura táctica, porque tecnicamente estiveste abaixo do que é normal".




O Farense sempre foi uma equipa de guerreiros

QFS – Foi acompanhando o Farense ao longo dos anos? Como viu a queda do clube?

SD – Com tristeza, pois foi um clube onde passei 7 anos, cria-se uma afinidade e identidade. Vi fotografias da equipa a jogar em campos pelados, algo que nunca tinha pensado - nem quando havia campeonato de reservas, que se jogava à noite. Por acaso nunca fiz nenhum. Sempre torci para que a situação do clube melhorasse, e quando vi que já estava numa divisão que dava acesso à I Liga, fiquei contente.

QFS – O Farense ficou-lhe no coração?

SDPor tudo aquilo que vivemos, o tempo que passámos aí, prende muito, marca muito. Tornei-me luso-brasileiro, os meus filhos também o são, e Portugal é o nosso outro país. Se tivéssemos de ir para Portugal agora, íamos com toda a vontade. Se pudesse, ia aí todos os anos. Aliás, quando estive aí o ano passado falei com o presidente Barão sobre o meu filho, o Sérgio Júnior, que tem 20 anos e é trinco como eu. É muito técnico, é português e tem condições para fazer a mesma carreira que eu ou até melhor. Gostava de o ver no Farense. Mas falo muito com pessoal desse tempo, o Fernando Belo, o Balela, o Paco Fortes, Fanã, estamos sempre em contacto. Às vezes, vou ali para a sala ouvir música portuguesa: Rui Veloso, Delfins. Dá um grande saudosismo e vontade de regressar e rever muita gente. Sempre soube ser digno da amizade de toda a gente.

QFS – Ainda recorda o apoio dos adeptos com saudade?

SD – Sempre. Lembro-me da claque, que agora não me estou a lembrar do nome, mas eles eram fantásticos. Ficavam atrás da baliza e nós gostávamos sempre de ir festejar os golos naquele lado com eles.

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

SDMuitos. Ainda joguei com o Paco Fortes, era muito raçudo, queria brigar com toda a gente (risos). Aliás, ele deixou de jogar porque se lesionou por causa de um carrinho em que chocou contra as bancadas. Paco, Hajry, Hassan, Pitico, Mané... era muito difícil segurar esse ataque.

QFS – E treinadores?

SDJosé Augusto e Manuel José, no Boavista. Cobrava muito de mim, mas porque sabia do meu potencial. Fui cumprimentá-lo quando ele era treinador do Benfica e perdeu a Taça para o Boavista, onde eu estava.

QFS – Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?

SD – Apoiem sempre o clube, independentemente da situação. Permaneçam fiéis, o Farense sempre foi uma equipa de guerreiros. O clube precisa muito do apoio da torcida para que possa voltar aos tempos áureos. São eles que motivam e galvanizam o clube.

 

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