Farense capa

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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Raul Barbosa



“Farense é o meu clube do coração”

Quantos Farenses somos? - Olá, Raul. Ainda está ligado ao futebol de alguma forma?

Raul Barbosa – Não, desde que deixei de jogar, em 1999, que me desliguei por completo do futebol. Trabalho há quatro anos numa empresa ligada à restauração e hotelaria.

QFS – E o Farense, continua a acompanhar?

RB – Sempre. É o meu clube do coração. Nasci em Angola mas vim para Faro com três anos, vivo em Faro e o Farense é o clube que me deixou marcas.

QFS – Como descreve esta temporada do clube?

RB – Sinceramente, surpreendeu-me. A II Liga é uma Liga muito competitiva, tem equipas muito fortes, especialmente as do Norte, apesar do dinheiro não abundar em nenhuma, mas o Farense conseguiu fazer uma época tranquila, mesmo com tantas mudanças de treinadores. Esperava mais dificuldades.

QFS – E acredita num regresso à I Liga num futuro próximo, ou acha que ainda é cedo para se colocar essa questão?

RB – Cedo nunca é, porque no Algarve só há um clube, digam os outros o que disserem. O Farense tem uma massa adepta espectacular, uma cidade que respira futebol, e o lugar deste clube é na I Liga. A ambição tem sempre de passar por estar nesse patamar.


“Devo tudo a Joaquim Sequeira”

QFS – Chegou ao Farense aos 22 anos, em 1994/95, proveniente do Padernense, que estava na…

RB – … III Divisão.
QFS – Como surgiu a oportunidade desse salto da III para a I Divisão?

RB – Foi pela mão do Joaquim Sequeira, uma pessoa que deixou marcas e a quem devo tudo. Foi ele que me indicou, porque já me conhecia do Padernense e também da formação do Farense. Depois, cheguei e consegui impor-me, naquela que foi a melhor época da história do clube.

QFS – Ainda se lembra do seu primeiro jogo na I Liga?

RB – Ainda, foi contra o União da Madeira. Ganhámos 1-0 ou 2-1 [foi mesmo 2-1]. Joguei como defesa-esquerdo.

QFS – Para os adeptos mais jovens, que já não se lembram de o ver jogar, qual era a posição do Raul em campo?

RB – Jogava como defesa-esquerdo ou às vezes defesa-direito. Era o que a equipa precisasse. Eu e o meu amigo Paixão ficávamos com a missão de marcar os jogadores mais influentes do adversário. Cheguei a fazer alguns jogos como médio defensivo também.
QFS – Qual foi o ponto alto dessa época?

RB – Tivemos vários, foi uma época fantástica, mas terei de dizer o 4-1 ao Benfica. Foi uma loucura!



QFS – Passados quase 20 anos, consegue explicar como foi possível vencer o Benfica por esses números?

RB – Então não consigo? (risos) Tínhamos uma equipa excelente, um plantel muito unido. O Benfica também não estava numa época boa, mas esse Farense era muito forte. Eu gostava muito de jogar no São Luís, as pessoas viviam o momento, eram muito fervorosas, davam-nos uma força anímica muito grande. Aquilo era o verdadeiro inferno para os adversários.

QFS – Esse jogo fica marcado pelos dois golos de Moussa N’Daw, de quem nunca mais se ouviu falar…

RB – E fui eu quem fez os passes para ele marcar os dois golos! Se não estou em erro, acho que ainda fiz mais uma assistência nesse dia. E realmente nunca mais ouvi falar do N’Daw, não sei o que é feito dele…


“Arrependo-me de ter rescindido com o Farense”

QFS – No final dessa época, contudo, acaba por rescindir com o Farense, juntamente com mais três colegas, o que ainda hoje é lembrado pelos adeptos…

RB – É verdade, saí eu, o Miguel Serôdio, o Hugo e o Sérgio Duarte. Foi com muita pena minha. Passávamos por uma série de dificuldades financeiras, mas o plantel tinha muita qualidade e havia várias propostas de clubes maiores, só que o Farense não nos deixava sair. Eu, por exemplo, tive uma proposta do Benfica que foi rejeitada. Acabei por rescindir a três ou quatro jornadas do fim, depois de uma vitória sobre o Guimarães [3-0], e assinei pelo Boavista, tal como o Serôdio e o Sérgio Duarte. Foi uma mágoa sair assim.



QFS – No Boavista as coisas correram-lhe bem?

RB – Correram, mas hoje arrependo-me de ter rescindido com o Farense. Se fosse hoje, tinha ficado mais anos. Mas na altura era muito jovem, tinha 23 anos e não pensamos bem nas coisas quando somos novos. Mas gostei muito de estar no Boavista, era um clube com uma estrutura totalmente diferente, que estava num processo de renovação, e fizemos uma grande época, ficámos em quarto lugar.

QFS – Porque voltou ao Farense em 96/97?

RB – O Ricardino Neto [então dirigente] pediu-me para voltar. Como não estava a jogar muito no Boavista, aceitei, mas já não foi como antes…

QFS – Que quer dizer?

RB – Para os adeptos, eu já não era o Raul que eles conheciam. O ambiente para comigo estava diferente, já não sentia o calor humano de antes. Principalmente quando as coisas me corriam mal. As pessoas não esqueceram a minha saída. Mas é normal.



QFS – Nessa época marcou o seu único golo oficial pelo Farense…

RB – É verdade, ao Gil Vicente. O meu único golo na I Liga. Foi de cabeça, vencemos por 2-1. Mas essa época já não teve nada a ver com a minha primeira no Farense. Acabámos por não descer, mas os jogadores que entraram entretanto não colmataram a qualidade dos que tinham saído daquela grande equipa.

QFS – No ano seguinte foi para a II Liga (Felgueiras). Porquê?

RB – Continuava ligado ao Boavista, mas não jogava e decidi aceitar a oferta do Felgueiras, que tinha descido e tinha a ambição de voltar à I Liga. O treinador era o Jorge Jesus, o melhor treinador que tive na carreira. Em método de treino, a nível tático, tudo. Era muito difícil lidar com ele (risos), mas em termos de conhecimento foi o melhor.

QFS – Mas a experiência não correu da melhor forma...

RB – O clube não estava bem em termos monetários, passava por grandes dificuldades, e o Jorge Jesus acabou por sair a meio da época. Fizemos uma época irregular [nono lugar].



QFS – No final dessa época joga… a CAN, a principal competição africana de selecções, por Angola!

RB – Sim, eu nasci em Angola e surgiu essa oportunidade: na altura o seleccionador era o Professor Neca, ele conhecia-me de Portugal e chamou-me para jogar na CAN. Já tinha tido vários convites, quando o seleccionador era o Carlos Alhinho, mas rejeitei sempre, porque tinha a esperança de jogar na selecção portuguesa. Mas aquela oportunidade não desperdicei.

QFS – Na altura Angola tinha pouca expressão no futebol africano…

RB – Mas tínhamos uma selecção muito forte, com Akwá, Paulão, Quinzinho, o Luís Miguel, que jogava no Sporting, o Lázaro, o Lito Vidigal… A equipa era excelente, e até começámos bem, empatámos 0-0 com a África do Sul, que era muito poderosa na altura [e a campeã em título]. Mas depois fomos muito roubados! Empatámos com a Namíbia [3-3] e depois perdemos o último jogo com a Costa do Marfim [2-5]. Mas foi uma experiência que me deixou muitas saudades. Esporadicamente ainda falo com alguns jogadores desse grupo.

QFS – Em 98/99 foi para o União da Madeira…

RB – Detestei essa experiência. Um clube muito desorganizado, não tínhamos onde treinar, os salários sempre em atraso… Foi o pior clube por onde passei. Gostei muito do Funchal, de lá viver, mas do clube não. E desceu no fim da época…

QFS – Depois voltou à I Liga, mas não chegou a jogar pelo Santa Clara. Porquê?

RB – Porque sofri aí uma lesão grave que me fez acabar a carreira aos 27 anos. No aquecimento na primeira jornada, com o Sporting, fiz uma ruptura, mas antes, na pré-época, numa digressão pelas ilhas lá dos Açores, tinha sofrido uma lesão na coluna e mais tarde tive de ser operado. Ainda tentei voltar, mas o doutor Lobo Antunes, que me operou, avisou-me sempre que o melhor era deixar de jogar. A partir daí, nunca mais joguei, nem com amigos.


“Ver o Farense a jogar em pelados foi uma mágoa enorme”

QFS – Mesmo retirado, foi acompanhando o calvário por que passou o Farense?

RB – Sempre, e com grande tristeza. Ver um clube como o Farense, um histórico do futebol português, a jogar em pelados nos distritais… Foi uma mágoa enorme. Nunca pensei que o clube pudesse cair assim.

QFS – E nessa fase acreditava que era possível o clube voltar ao nível que está hoje?

RB – Sempre acreditei, porque o Farense é um clube com história, um clube mítico. Já foi à UEFA, já foi à final da Taça…

QFS – Considera que o apoio dos adeptos, e em particular dos South Side Boys, também foi fundamental nesse regresso?

RB – Plenamente. Tenho um apreço muito especial pelos South Side, um dos fundadores é meu sobrinho, o Paulo Castilho. Eles nunca desistiram, sempre acreditaram e nunca deixaram de apoiar a equipa. E tenho a certeza que se o Farense voltar à I Liga, o estádio vai voltar a encher muitas vezes.

QFS – Viu, o ano passado, a enchente no jogo da subida com o Leiria?

RB – Vi, e fez-me recordar os momentos passados naquele estádio. A massa adepta aderiu em força.
QFS – Esteve presente no jogo de confraternização dos 100 anos do clube, em 2010…

RB – Estive lá e estarei sempre disponível para qualquer coisa que for preciso no Farense. Joguei só dois anos na primeira equipa, mas formei-me no Farense e os melhores momentos da minha vida foram ali.



QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

RB – Foram muitos. Timofte, Erwin Sánchez, Nuno Gomes, Ricardo, Artur [Boavista]. No Farense, o Hajry, o Hassan, o Rufai… E defrontei muitos muito bons, o João Pinto, o Balakov, o Preud’Homme… foram muitos.

QFS – E treinadores? Já falou de Jorge Jesus…

RB – O Joaquim Sequeira, no Padernense e também no Farense, onde foi adjunto do Paco Fortes. O Paco, que dava uma força anímica como ninguém, uma garra, mística enorme. O Manuel José, também um grande treinador, e o Manuel Fernandes.

QFS – Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?

RB – Acreditem sempre e não abandonem o Farense, porque é um grande clube.


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