Farense capa

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sábado, 25 de abril de 2015

Alexandre Alhinho



“É um prazer ver o Farense a jogar no S. Luís”

Quantos Farenses somos? - Olá, Alexandre. Já deixou de jogar há muitos anos, que faz actualmente?

Alexandre Alhinho – Depois de deixar de jogar, acabei a licenciatura em Educação Física em Lisboa, na Faculdade de Motricidade Humana, e voltei para Cabo Verde, onde sou professor de Educação Física e Administração e Gestão desportiva. Já fui seleccionador de Cabo Verde, levei a equipa à primeira fase de qualificação para um Mundial, o de 2006. Quando cheguei estávamos em 162º no ranking da FIFA, comigo recuperámos 80 lugares! Fiz a travessia do deserto, andava à porta dos estádios a pedir aos jogadores para irem à selecção e ninguém queria. Introduzi mais rigor, outro padrão, porque a selecção era completamente amadora. Hoje, já todos querem ir. Entretanto deixei de ser treinador, porque aqui em Cabo Verde o futebol é amador, gastamos dinheiro em vez de ganhar. Fui estudando sempre, mesmo enquanto jogava.

QFS – E foi sempre acompanhando o Farense nestes anos?

AA – Sim. Foi com muita tristeza que fui sabendo que o clube ia descendo até acabar, e depois andar pelos distritais, foi um grande sofrimento. Neste momento sinto uma grande alegria por vê-lo de volta à II Liga, é um clube que me marcou, onde joguei com pessoas excepcionais. Tenho visto alguns jogos que passam na televisão e fiquei admirado por ver a equipa jogar no S. Luís novamente, pensava que iam jogar no Estádio novo de Loulé. É um prazer rever aquele estádio.

QFS – Acredita num regresso à I Liga num futuro próximo?

AA – É preciso algum tempo na II Liga para ganhar estabilidade. O Farense precisa de consolidar a sua posição e depois ganhar balanço, a II Liga é uma divisão muito competitiva. É preciso tempo para construir uma boa equipa, com melhores jogadores, e depois sim pensar em subir. A equipa precisa de mais estofo, digamos assim. Mas Faro é capital de distrito, a cidade merece um clube na I Liga. Olhe, os farenses daí não devem saber, mas há um clube em Cabo Verde que foi fundado em 1982/83, quando o Farense fez uma digressão por aqui. Chama-se Farense de São Vicente e acabou de ser campeão da II Divisão e subir à primeira! Temos aqui bons jogadores, os portugueses é que não sabem. Vão sabendo agora através da nossa selecção.

QFS – É verdade, muitos dos adeptos farenses souberam disso este ano através do Facebook!

AA – Ah sim? Ainda bem. Esta é uma prova do impacto que o Farense causava nos sítios por onde passava, pelas equipas que tinha e o futebol que praticava.

QFS – Pode dizer-se que o Farense ficou no seu coração?

AA – Sim. Os meus dois clubes do coração são a Académica (onde se formou e onde jogou dois anos como sénior) e o Farense. Adorei viver em Faro, não vou lá desde que saí do Farense mas estou a pensar voltar ainda este ano. Gente muito simpática, muito alegre, onde sempre fui bem recebido e sempre tive amigos. Da primeira equipa então (1973/74), tenho muitas saudades de todos, éramos uma verdadeira família.

“Cheguei à selecção A com 19 anos devido ao Farense”

QFS – Quando chegou a Portugal?

AA – Cheguei a Portugal aos 16 anos, a Coimbra, para estudar. Nem era futebolista. O meu irmão (Carlos Alhinho) jogava na Académica e um dia fui ver uma final de juniores entre a Académica e o Benfica, onde jogavam Shéu e João Alves. No fim, o meu irmão perguntou-me: “Achas que aguentavas jogar aqui?” Eu disse que sim e então ele levou-me para treinar com os juvenis. Ao fim de poucos treinos, o treinador Andrade passou-me logo para os juniores, onde joguei enquanto ia treinando com os seniores. Fui o único, com Gregório Freixo, a representar a Académica na selecção de juniores.
QFS – E como surgiu a hipótese de vir para o Farense?

AA – Entretanto o meu irmão saiu para o Sporting, a direcção da Académica não gostou e disseram-me: “Podes ficar, mas não te vamos pagar nada”. Fiquei um ano inteiro a treinar sem jogar e no ano seguinte, o meu irmão soube que o Farense precisava de um central e mandou-me lá para o treinador da altura, Carlos Silva, me observar. Ao fim de um treino ou dois, fiquei logo na equipa – até me levou para viver na casa dele nos primeiros tempos! Fizemos uma época excepcional e eu também, cheguei a ser chamado à selecção A para um jogo com a Inglaterra. Isto, estando no Farense e com 19 anos, foi uma grande surpresa. Eu quando fui ver a convocatória nem reparei que o meu nome estava lá, só o vi depois quando amigos me disseram. E estava, lá no fim. Depois, no fim da época, o Porto foi logo buscar-me. Mas devia ter ficado no Farense, hoje arrependo-me de ter saído logo.
QFS – Porquê?

AA – Porque aquele Porto tinha um plantel muito forte, e a estrutura já era de topo, eles tinham tudo, até um consultório dentário dentro do estádio!, mas o ambiente lá dentro era péssimo, havia muita fricção entre os jogadores da casa e os de fora. Depois de ter vivido numa verdadeira família, quando estive no Farense, ali encontrei feras, eu que tinha 20 anos e só uma época como sénior. O treinador era o Aymoré Moreira, que tinha sido bicampeão do mundo como seleccionador do Brasil, e acabou despedido a meio da época. E atenção, fui recebido no aeroporto de Pedras Rubras como estrela de Hollywood! Os outros passageiros daquele vôo até ficaram espantados com a quantidade de fotógrafos que estavam ali!

QFS – Ainda se lembra do seu primeiro jogo na I Divisão?

AA – Claro, foi o jogo que marcou o meu futuro no futebol em Portugal. Foi na sexta jornada, antes não podia ser chamado por causa do certificado. Era em Alvalade, com um Sporting que viria a ser o campeão, com Damas, Yazalde, o meu irmão... Nós éramos uma equipa muito forte, resistente, que defendia muito bem, mas ao intervalo já estávamos a perder 3-0! Então, o treinador Carlos Silva chamou-me para entrar e fiz uma segunda parte muito boa, não sofremos mais golo nenhum. Todos ficaram surpreendidos, não sabiam de onde tinha aparecido aquele jogador assim de repente! No dia seguinte, o Manuel José, que hoje é treinador, foi buscar-me a casa para irmos beber um café e falar do jogo, toda a gente tinha ficado impressionada comigo.

QFS – E a partir daí, nunca mais saiu da equipa!

AA – Não, fui sempre titular. Lembro-me de um jogo na Luz, onde joguei no meio-campo e a minha missão era marcar o Eusébio, o meu herói de infância que na altura jogava mais recuado. Eu estava muito nervoso, seis anos antes via aquele homem a marcar 4 golos à Coreia no Mundial e agora ia marcá-lo! Ele percebeu isso e, ainda no túnel, abraçou-me e disse que já me tinha visto jogar, para eu fazer o meu futebol e ficar tranquilo. Tirou-me aquela carga toda de cima dos ombros!
QFS – E o jogo correu-lhe bem?

AA – Não, nada. Perdemos 1-0, com um golo... do Eusébio no primeiro minuto! Ele não era nada fácil de marcar, corria muito. Mas o Carlos Silva não ficou chateado, porque naquela altura, perder 1-0 na Luz não era nada mau. Depois disso fizemos grandes exibições, que me lembre, quase ninguém passou no S. Luís. Ficámos em sexto ou sétimo, a melhor classificação do clube até então. Tínhamos uma equipa excepcional, jogadores todos muito educados, muito maduros, com Farias, Adilson e o grande Mirobaldo na frente, o Manuel José... O Mirobaldo era uma estrela, sabíamos que era só passar-lhe a bola que ele resolvia tudo, era um jogador extraordinário. Não sei como os grandes nunca o foram buscar... E o Almeida, que falava pouco mas era um grande líder em campo!

QFS – Consegue explicar o sucesso de uma equipa que na altura era um “bebé” na I Divisão (cumpria apenas a terceira época no maior escalão)?

AA – Foi uma série de fatores que se conjugaram. O Carlos Silva tinha jogado muitos anos no Belenenses, sabia muito de futebol e punha a equipa a jogar um bom futebol. Foi o grande obreiro daquela época. Quando me foi buscar a primeira vez, eu fechei a porta do carro dele devagar, com cuidado, e disse-me logo: “Feche a porta com genica!” Estava sempre a empurrar-me para ser mais activo. A direcção também era muito interessante, e depois tínhamos essa grande equipa.


“O presidente Fernando Barata dava tudo pelo clube”

QFS – Já contou a má experiência no Porto. Voltou depois à Académica, onde jogou duas épocas...

AA – Aí recuperei a auto-estima, deu-me força para continuar no futebol e ao mesmo tempo voltar a estudar. Essa experiência no Porto mostrou-me que o futebol é perigoso. A primeira época começou mal, mas depois chegaram o Joaquim Rocha, que marcava de todos os lados, o Camilo, os irmãos Campos (Mário e Vítor), o Rui Rodrigues... fizemos uma equipa extraordinária. Safámo-nos da descida na última jornada, em Guimarães, e fizemos uma festa como se tivéssemos sido campeões! No ano seguinte fizemos uma grande época, acabámos em quinto. E ao mesmo tempo, terminei o liceu.



QFS – E foi bem recebido, apesar da forma como tinha saído?

AA – Sim. O presidente João Moreno tinha actuado de má fé, mas uma pessoa não pode estragar um clube. As pessoas já me conheciam, o treinador era o José Crispim, que já me conhecia dos juniores. Assim que cheguei, disse-me logo: “Isto aqui não é os juniores, onde ganhas a bola e arrancas por aí fora. Aqui não há brincadeiras!”


QFS – Depois faz cinco épocas no Belenenses. Todas boas?

AA – Os três primeiros anos foram excepcionais. Depois fui convidado para jogar nos Estados Unidos, no Jacksonville Tea Men, onde joguei com o Artur Correia, ex-Benfica e Sporting, e muitos craques ingleses da altura. O treinador era o Noel Cantwell, que tinha jogado naquela grande equipa do Manchester United que morreu quase toda no desastre de avião. Estreei-me contra o Johan Cruyff. Os americanos estavam a apostar forte naquele campeonato, a NASL, estava a léguas do português em tudo: organização, patrocínios, salários, tudo. Eles compraram mesmo o meu passe, mas entretanto tive de regressar por causa da família e nessa altura, o Belenenses estava em queda livre! Só o senhor Rui da Cruz é que ajudava o clube, mas ele sozinho não conseguia suportar aquela derrocada. Foi uma grande pena. Mas o Belenenses é um clube difícil porque não tem gente, não tem adeptos. O tempo que joguei lá, não via adeptos no estádio, levava meia dúzia de gente às bancadas e ainda hoje isso se vê. Por isso, é um clube que vai estar sempre em dificuldades.

QFS – E passados nove anos da saída, aceitou voltar ao Farense em 82/83, mesmo na II Divisão!

AA – É verdade. Surgiu essa possibilidade e aceitei na hora! Eu estudava na altura, sabia quem era o Hristo Mladenov, um treinador muito conceituado, que tinha levado a Bulgária ao Mundial, e pensei logo: “Não posso deixar de conhecer esse homem!” E criámos uma grande relação. O presidente era o Fernando Barata, um homem que tinha as suas particularidades, mas que dava tudo pelo clube. Aliás, o ir buscar o Mladenov à Bulgária diz muito.

QFS – E foi campeão!

AA – Sim, recuperei a minha alegria no Farense. No ano seguinte, o meu irmão foi para lá terminar a carreira de propósito para podermos jogar juntos, foi bom.

QFS – Nessa época de 83/84, marca o único golo da sua carreira na I Divisão!

AA – Foi na Luz, ao Bento. O Gil entregou-me a bola no meio-campo, fiz um sprint vigoroso e rematei rasteiro à entrada da área. Foi um golo histórico na altura, por ser o primeiro de sempre do Farense na Luz, e depois o José Rafael marcou outro. Mas perdemos 6-2... Também marquei em jogos da Taça e da II Divisão ao longo da carreira, mas sim, na I Divisão, esse foi o único. Jogava muito recuado, sempre a central ou como lateral de ambos os flancos na segunda passagem, mas naquela altura os defesas pouco podiam subir. Era nos cantos e pouco mais.

QFS – No final dessa época decide abandonar o Farense. Porquê?

AA – As coisas já não estavam como antes. O presidente tinha despedido o Mladenov, um homem a quem, na minha opinião, não se deu o devido valor em Portugal. Era um treinador excepcional e um homem extraordinário. Então, decidi acabar a carreira e voltar a estudar.

QFS – Mas ainda joga por Lusitano de Évora, Estoril e Académico de Viseu posteriormente...

AA – Fui jogar para o Lusitano para ajudar o meu irmão, que era o treinador. Mas não havia dinheiro, não recebi um tostão no tempo em que lá estive e ainda ajudei a pagar a alimentação de alguns colegas! E no Estoril também não recebi nada, joguei lá porque o Mário Wilson, que era o treinador, me pediu, e não podia recusar um pedido do velho capitão. Além disso, tinha lá um ou dois amigos e como vivia em Oeiras, aceitei dar uma ajuda. Mas o Estoril falhou a subida, as expetativas eram altas mas infundadas e fora da realidade do clube naquela altura. É um problema que ainda hoje acontece nalguns clubes...


QFS – E como chegou a Viseu?

AA – Fui fazer só o último jogo da época 86/87, porque o meu irmão Carlos era o treinador também e me pediu. Era um jogo em que a equipa tinha de vencer para conseguir a permanência. E assim aconteceu. E na época seguinte a mesma coisa, mas para subir: fui fazer os jogos finais e conseguimos ser campeões! Então, como estava a terminar a faculdade e já só me faltava fazer a fase do seminário, aceitei o convite do meu irmão para fazer parte do plantel desde o início da época. Ajudei-o a fazer toda a planificação da temporada, mas o Académico também não tinha dinheiro – o meu irmão não teve nenhum dos reforços que pediu, teve de jogar só com a prata da casa, e foi muito difícil. Acabámos por descer.

QFS – Para quem não sabe, o seu irmão, já falecido, foi internacional português em variadíssimas ocasiões e foi dos poucos até hoje a jogar nos chamados três grandes!

AA – Foi o primeiro!

QFS – Mas acabou por fazer uma carreira modesta como treinador...

AA – Não lhe deram o valor que merecia. É muito difícil para um treinador africano triunfar na Europa. Ele era um estudioso do futebol, tinha formação académica superior, mas só lhe deixavam treinar equipas pequenas, onde estava condenado à descida desde o início. Acabou por ficar desencantado com o futebol português e depois foi fazer pela vida. Treinou muitas equipas em África e na Ásia, ganhou algum dinheiro, mas faltou-lhe o reconhecimento na Europa como treinador.

QFS – E em Viseu ainda jogou com outro irmão seu, o José Alhinho!

AA – Sim, é o meu irmão mais novo. Fez uma carreira mais modesta, mas passou por Olhanense e Portimonense, entre outros (também jogou no Farense em 81/82). Também era central, nesse ano em Viseu fizemos dupla os dois.


“Intimidava os avançados com a barba cerrada e o cabelo afro”

QFS – Como se descreve enquanto jogador?

AA – Era muito rápido, de boa técnica, muito disciplinado em termos tácticos. Cumpridor. Naquela posição, tínhamos de ter velocidade e saber jogar.

QFS – E tinha um bom porte atlético!

AA – E tive sorte de nunca ter uma lesão na carreira. Não tenho um único risco no corpo, nunca fui operado a nada. E ainda hoje jogo, há pouco tempo ganhei o prémio de jogador mais veterano aqui no campeonato de veteranos. Faço tudo, ténis, bicicleta, tudo. Mantenho o mesmo físico de jogador!


QFS – Já não tem é o cabelo afro!

AA – Era a minha imagem de marca, isso e a barba cerrada. Isso juntado ao porte atlético, acredito que intimidava um pouco os avançados (risos)!

QFS – Disse que foi chamado à selecção A com 19 anos, quando jogava no Farense, mas não se chegou a estrear...

AA – Não, acabei por jogar só na selecção B e na de esperanças (sub-21). Naquela altura, os titulares eram sempre o meu irmão Carlos e o Humberto Coelho, era muito difícil jogar ali. Eles não saíam de lá! Como eu, houve vários outros bons centrais que raramente jogaram na selecção por causa disso...
QFS – Já disse também que ficou contente por ver o Farense voltar a jogar no S. Luís. Porquê?

AA – É um campo onde nos dava muito prazer jogar. O estádio não é muito grande, mas tem quatro bancadas e naquela altura enchia sempre, não cabia uma agulha! Vinha gente de todo o Algarve ver os nossos jogos. Os limites do campo ficam mesmo em cima dos espectadores, o calor humano sente-se ali em cima de nós. Os adeptos falavam cara a cara connosco e com os adversários! É um ambiente fantástico. E nunca vi acontecer nada de violência, foram sempre correctos com toda a gente.

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

AA – No Farense, Mirobaldo, Manuel José... Nos Estados Unidos joguei com o Keita, que tinha jogado no Sporting e no Barcelona – nunca tinha visto um avançado tão talentoso. E no Porto, o António Oliveira, o Cubillas, o Flávio...

QFS – E treinadores? Já falou de Carlos Silva e Mladenov...

AA – Sim. Além desses, o meu irmão Carlos, claro, e também o Noel Cantwell, nos Estados Unidos.

QFS – Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?

AA – Apoiem o clube sempre, um clube abandonado é o pior que pode acontecer. As pessoas têm de fazer tudo para que o Farense volte à I Liga, porque isso até será benéfico para Faro, leva gente a Faro. Não virem as costas ao clube.

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