Farense capa

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terça-feira, 6 de outubro de 2015

Carlos Costa




O grande objetivo de qualquer farense é voltar a ver o clube na I Liga”

Quantos Farenses somos? - Olá, Carlos. Ainda está no futebol, ou tem outra ocupação actualmente?

Carlos Costa – Trabalho no Hospital Particular do Algarve. Desde que saí do Farense como treinador-adjunto, em 2013/14, é essa a minha ocupação.

QFS – E tem acompanhado o percurso do Farense nestes anos?

CC – Sempre que a profissão me permite, tento acompanhar. Aprendi a gostar do clube, vivo aqui, por isso é normal que siga o seu percurso.

QFS – Quais as suas expetativas para esta temporada?

CC – O grande objetivo de qualquer farense é voltar a ver o clube na I Liga. Essa ambição já foi anunciada pela direcção mais do que uma vez, este ano parece-me que já não com tanta força, não sei se estrategicamente ou não. Não é fácil subir nesta divisão. Chegámos aqui com alguma tranquilidade, mas este é um campeonato extremamente competitivo. Aqui, para se conseguir subir não se pode ser minimamente amador, tudo tem de ser altamente profissionalizado...

QFS – E dentro desta conjuntura, acredita que esse regresso à I Liga pode acontecer num futuro próximo, ainda que não nesta temporada?

CC – Agora já estamos há três anos na II Liga, e essa ambição existe, mas sinceramente não sei como está o clube actualmente em termos de condições para poder lutar pela subida. Nas temporadas anteriores falou-se muito de tentar subir, se calhar com algum deslumbramento, se calhar de forma algo extemporânea. Mas esperemos que sim, que o clube consiga voltar rapidamente à I Liga.


Perdi muito dinheiro para jogar no Farense”



QFS – O Carlos chegou a Faro já com 28 anos, quase 29. Como se deu esse processo?

CC – Vinha de duas épocas já na I Divisão, pelo Beira-Mar. Na última descemos, após muitos problemas directivos e financeiros – começou aí a desenhar-se o que aconteceu agora com o clube. No fim da época 94/95, falhei os últimos jogos porque estava lesionado e o director do Beira-Mar tentou passar a mensagem que eu estava a fazer ronha e que queria que o Beira-Mar descesse. Isso é algo que não admito, porque vai completamente contra os meus princípios, como mostrei em todos os clubes por onde passei, desde as distritais à I Liga, e por isso rescindi. Tinha clubes interessados, soube que o Paco Fortes me queria no Farense, depois o Chaby (antigo jogador e dirigente do Farense) falou comigo e ficou acertado verbalmente, digamos assim, que eu iria para o Farense. Só que entretanto, surgiu a notícia de que o Belenenses, então treinado pelo João Alves, também me queria e essa alternativa deixou-me dividido...

QFS – Então, porque acabou por optar mesmo pelo Farense?

CC – Numa sexta-feira, o meu empresário teve uma reunião com o João Alves, onde ele explicou que me queria. O meu empresário disse que eu ia pensar no assunto durante o fim de semana, mas no dia seguinte nos jornais vinha a notícia que eu estava contratado pelo Belenenses e tinha de me apresentar em estágio com eles na segunda-feira! Aquilo mexeu comigo, porque eu não tinha acertado nada com ninguém, e por isso não quis mais conversas com o João Alves nem com o Belenenses e fui para o Farense, apresentei-me nessa mesma segunda-feira e seguimos para estágio. Perdi muito dinheiro, a proposta do Farense estava muito longe da do Belenenses em termos financeiros, mas também havia o aliciante de jogar nas competições europeias e depois daquela atitude, tomei a minha decisão.
QFS – E como ficou a sua relação com o João Alves depois? Ele acabou por vir treinar o Farense anos depois, entre 98/99 e 99/00!

CC – Na altura, portou-se mal, tentou passar para a imprensa que eu tinha roído a corda, que tinha faltado com a minha palavra. Vendeu a história dele e derreteu-me ao máximo. Tanto que, quando fomos jogar ao Restelo, fui vaiado pelos adeptos do Belenenses o jogo todo. Eu só pensava “Há uns meses ninguém sabia quem eu era, agora pareço o melhor jogador do mundo?” Mais tarde, numa época em que o Farense esteve em risco de não se inscrever na Liga, voltei a ter um convite do Belenenses, nessa altura até me pediram desculpa pelo que tinha acontecido antes e disseram que perceberam a situação. Mas aí eu já tinha 31 anos, o Farense ofereceu-me três anos de contrato e arrisquei tudo, fiquei. Depois, quando vi que o João Alves ia treinar o Farense, pensei “Estou feito!”, mas correu tudo bem, ele só brincou com a situação. “Tramaste-me bem, não quiseste vir comigo”, disse-me. E eu respondi: “Quem ficou chateado, e com razão, fui eu, porque tinha todo o prazer em ter jogado consigo, porque sempre o admirei, pela história das luvas e tudo isso. Era um ídolo para mim”. Com ele joguei sempre e desenvolvemos uma relação espectacular. Por vezes ainda nos encontramos.
QFS – Já conhecia alguma coisa da realidade do clube quando assinou?

CC – Naquela altura, vir ao Sul era sempre muito complicado... Pela distância, eram sempre deslocações muito difíceis. No ano antes até tinha marcado ao Farense, num remate todo enrolado, num ressalto. Mas era a ideia que acabei por constatar, um clube com o estádio sempre cheio, que raramente perdia em casa.

QFS – Ainda se lembra da estreia oficial no Farense?

CC – Sinceramente, não. Foram tantos jogos... Lembro-me da estreia na I Divisão, pelo Beira-Mar contra o Estoril.

QFS – Chegou a Faro após a melhor época da história do clube. Quais eram as suas expectativas?

CC – Oh, temos sempre a expectativa que momentos como esses se repitam. Mas também tinha consciência de que a equipa mudou muito de um ano para o outro. Eu sei que não levei a equipa à Taça UEFA, só a joguei! Não é fácil chegar a uma equipa que tem mais de meia equipa nova. Foi complicado por isso, quando jogámos os jogos da Taça UEFA era óbvio que a equipa ainda andava à procura do norte. Para se jogar na Europa é preciso muita coisa que nós não tínhamos. Foi uma festa para as pessoas, mas nós sentíamo-nos pequeninos em relação à realidade onde estávamos, o estatuto faz muita diferença. E basta ver os caminhos que seguiram o Farense e o Lyon depois disso...


QFS – Nos anos todos que representou o Farense, acreditou que algum dia era possível voltar à Europa ou a uma final da Taça, por exemplo?

CC – A final da Taça será sempre possível, tem muito a ver com os sorteios. Mas muitas vezes, devido às enormes distâncias, no Farense preferia-se abdicar da Taça em detrimento do campeonato. Isso sim era a prioridade máxima. Hoje, olhando para trás e para alguns plantéis que tivemos, penso que muitas vezes podíamos ter feito classificações melhores. Principalmente nos jogos fora, podíamos fazer mais.


Os South Side são um dos grandes factores de ressurgimento e suporte do Farense”

QFS – Passou sete épocas na I Liga com o Farense, sempre como indiscutível. Qual foi a melhor?

CC – Uma das nossas épocas mais tranquilas até foi com o Manuel Balela (2000/01). Houve uma época em que fiz oito golos, que foi das mais fáceis para o clube em termos de objectivos (1999/00), mas curiosamente foi das mais complicadas para mim. Joguei quase sempre atrás do ponta-de-lança, e é uma posição difícil, porque damos muito à equipa, desgastamos os defesas... mas não jogamos nada! E houve uma época em que fiz os jogos todos, fui totalista e ganhei um prémio Record por isso (2000/01). Posso destacar essa.




QFS – Quais as melhores recordações que guarda do Farense enquanto jogador?

CC – A entrada em campo com o hino. É marcante. Pela letra, é um dos hinos mais bonitos. O estádio estava quase sempre cheio, fazia-nos sentir um misto de respeito e responsabilidade, que tínhamos de dar tudo. Era uma injecção moral enorme, sempre sentimos o valor desta claque (South Side Boys). Achávamos graça porque, fôssemos onde fôssemos, eles estavam sempre lá. Pelo menos um! E ainda hoje, continua a ser um dos grandes factores de ressurgimento e suporte do Farense.

QFS – Qual a posição onde foi mais utilizado? É que jogou em quase todas!

CC – É verdade. Uma semana jogava a ponta-de-lança, outra se fosse preciso treinava a semana toda a central e depois, durante o jogo, ia para o meio-campo ou voltava ao ataque... Isso não é fácil, mas sempre que era necessário, encaixava no equilíbrio da equipa. Joguei na defesa, ao lado do avançado, como médio centro, interior-direito... Mas a minha vantagem foi nunca me sentir contrariado, sempre vi isso como um desafio pessoal, algo a que eu tinha de conseguir dar resposta. E era aliciante por vezes jogar à defesa, ter a missão de marcar pontas-de-lança que eram muito bons, como o Jardel e outros assim. Mas sempre me considerei mais médio box-to-box do que defesa. Hoje, seria um oito. Mas por exemplo, no Feirense fiz 17 golos a jogar como médio ofensivo!



Tive convite do Olhanense, mas quis tentar iniciar a recuperação do Farense”

QFS – Aos 36 anos, foi com a equipa para a II Liga. Porque ficou?

CC – Tive um convite do Olhanense, que muito me honrou. Sempre fui muito bem tratado lá. Mas disse-lhes que não ia, pela ligação que adquiri com o Farense e com as pessoas em Faro, não seria muito honesto da minha parte. Ainda me sentia com vontade para jogar, havia a possibilidade de tentar remediar a situação e queria estar presente nesse processo para tentar iniciar a recuperação do clube. Sempre transmiti isso aos meus colegas: se o clube tivesse de acabar, que fosse por razões administrativas e não por deserção dos jogadores. Eu não ia fazer greve nenhuma, até pagava para jogar se fosse preciso! Muitos deles eram de Faro, eu perguntava-lhes: “Vocês querem ficar na história como os jogadores que deixaram o Farense cair? Querem ir na rua e ver as pessoas a apontar-lhes o dedo?” Ganhei alguns inimigos aí, mas sempre quis andar na rua de cabeça erguida.



QFS – E foi também por essa razão que ficou no ano seguinte, já com a equipa na II B?

CC – Sim. Aí, ou ficava no Farense e continuava a jogar, ou acabava a carreira.

QFS – Como jogador e capitão do Farense tantos anos, como assistiu à queda do clube?

CC – Para quem viveu aqui os melhores anos da vida, quem sofreu e deu tudo pelo clube, foi uma derrocada. Foram situações de desespero, esperar dia após dia que aparecesse alguém que nos pudesse salvar. Em 2002/03, depois de ganharmos o dérbi em Portimão, ficámos convencidos que podíamos subir. Mas assim que chegámos a Faro, percebemos que os políticos se tinham posto à margem do clube...

QFS – Para quem nunca o viu jogar, como se descreveria enquanto jogador?

CC – Era um jogador extremamente honesto, vivia o jogo com uma intensidade enorme. A minha maior característica era gostar de atacar e defender de forma igual, nunca me neguei a nada. Aparecia à frente e atrás, gostava de ser um homem de área a área.


Nunca esquecerei o facto de ter sido o primeiro treinador do Farense no regresso”



QFS – Pouco depois de terminar a carreira, voltou ao clube enquanto treinador. Como foi essa experiência?

CC – Foi boa, subimos tranquilamente à I Divisão Distrital na primeira época (2006/07). Muitos dos jogadores ainda me tinham visto jogar, e eu sentia que eles se sentiam motivados com a minha presença. Foi uma experiência engraçada, pegar nalguns jogadores que se calhar nunca tinham imaginado ser possível jogar na equipa principal do Farense e de repente estavam ali... Contribuímos muito para animar o campeonato distrital.




QFS – Então, porque não voltou a ser treinador desde então?

CC – A meio da segunda época, depois de uma derrota, ainda estávamos tranquilamente na liderança da I Divisão Distrital, mas o Barão, que na altura ainda não era presidente, disse-me que iam fazer uma mudança e prescindir dos meus serviços. Achei estranho, mas pronto, aceitei. Depois disso, e de muita coisa que vi nos distritais, percebi que tinha de ter condições económicas para investir na minha formação enquanto treinador; de outro modo, era preferível não ficar no futebol, porque as mentalidades nas distritais não eram compatíveis com o meu feitio. Gosto de ser eu, gosto de ser fiel a mim próprio.

QFS – Mas em 2013/14 ainda voltou, então como treinador-adjunto...

CC – Foi apenas por ser um “homem da casa”, digamos assim. Procuravam alguém com esse perfil, foi por isso que me convidaram. Mas eu sempre estive no Farense para servir o clube, era disso que gostava. E aí, senti que estava ali para servir pessoas, em vez de estar a servir o clube, e isso não me agradou... Sabe, eu sou a pessoa mais prejudicada financeiramente pelo Farense. O clube deve-me mais de 150 mil euros! E mesmo assim, nunca quis pôr o clube em tribunal, porque sempre acreditei na palavra das pessoas e que um dia me iriam pagar o que devem, mesmo que fosse aos poucos. Mas nessa altura, comecei a sentir que achavam que ainda me estavam a fazer um favor e pior, comecei a ver outras pessoas a ser pagas, pessoas que deram muito menos que eu ao clube, e eu nada! É uma mágoa que tenho, mais que o dinheiro em dívida, é a forma como me trataram e ainda hoje tratam. Por isso, peço desculpa a todos os farenses, mas se um dia tiver de o fazer, vou avançar para os tribunais. Já são muitos anos, desde 1998 com milhares de euros em causa...

QFS – Apesar disso, ficou com o Farense no coração?

CC – Sim, porque foi o clube onde joguei mais anos, um clube onde vivi situações muito boas e outras muito difíceis. Nós sempre tivemos união, sempre conseguimos formar grandes grupos e não levar para o campo os problemas extra-desportivos. Sentíamo-nos pobres, mas felizes. Por isso, é normal que sinta o clube de outra forma, é um sentimento diferente por isso, embora em todos por onde passei tenha respeitado a profissão ao máximo. Ter tido sempre o carinho das pessoas, ter estado na derrocada do clube e no início do seu regresso, é algo que não esqueço. Não é só ter ido à Taça UEFA. Quando, daqui a uns anos, se fizer uma lista dos treinadores que passaram pelo Farense desde o regresso do clube, o meu nome será o primeiro dessa lista, as pessoas vão-se lembrar que fui eu que começou com uma equipazinha a preparar o regresso do clube. Além disso, fui medalha de ouro da cidade de Faro, por mérito desportivo, os meus filhos só foram nascer a Coimbra, mas são practicamente algarvios, e acabámos por nos estabelecer cá. Sempre gostei da cidade, gosto de estar onde sou bem tratado. Tudo me liga a esta cidade.

QFS - Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?

CC – Seria injusto estar a destacar alguém. Joguei com muitos internacionais, outros não o eram ainda quando jogaram comigo mas vieram a ser mais tarde... Foram muitos grandes nomes.

QFS – E treinadores?

CC – A mesma coisa. Mas posso destacar o Manuel Balela, foi o treinador na minha melhor época.

QFS – Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?

CC – Peço que não desistam, que continuem sempre a acreditar. Aumentem a presença no clube, muita gente afastou-se entretanto mas é preciso que marquem presença nos jogos. Esse será sempre um dos factores que irá marcar a diferença e ajudar a equipa a atingir outros patamares. O Farense sem a massa associativa não faz sentido.


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