“Podia
ter acabado a carreira com 26 anos se não fosse o Farense”
Quantos
Farenses somos? - Olá, Stefan. Que é feito de si?
Stefan
– Depois de deixar de jogar, abri um café aqui em Espinho, onde
vivo desde então. Entretanto, trabalhei numa corticeira, numa
metalúrgica, numa empresa de fazer quadros e fui treinador das
camadas jovens no Paços de Brandão, Arrifanense, União de Lamas e
Lourosa. Na última época treinei os seniores femininos do Esmoriz,
mas entretanto tenho estado sem trabalhar, pois no futebol de
formação o que ganhamos mal dá para as despesas com a gasolina.
Espero para o ano voltar a treinar uma equipa de seniores, mesmo que
seja nas distritais, não me importo.
QFS
– E tem acompanhado o percurso do Farense nestes anos?
S
– Sim, vou acompanhando pelas redes sociais. Conseguiu uma subida
grande. Foi com muita pena que vi todas aquelas descidas, mas com o
passar do tempo e as alterações que foram sendo feitas a nível de
direcção, era natural que o clube começasse a reagir
positivamente. Foi preciso mesmo bater no fundo para se poder
reerguer.
QFS
– Como avalia o desempenho da equipa esta época?
S
– Parece-me que melhorou substancialmente com o Abel Xavier, parece
que agora a mensagem está a passar melhor para os jogadores. Já não
está em risco de descida, e isso é bom.
QFS
– Como se deu a sua chegada a Faro, aos 25 anos?
S
– Jogava no Avaí e um dos directores era o Gil, que tinha jogado
no Farense com o Paco Fortes. Ele pediu-lhe um central/líbero e o
Gil indicou-me, a mim e ao Edinho, que jogava comigo lá também. Ele
depois acabou por não ficar, eu estive um mês a fazer testes e
fiquei. Foi uma mudança radical na minha vida. Estava desmotivado no
Brasil, até já pensava em jogar mais um ou dois anos e acabar.
Entretanto, dois dias depois de chegar a Faro conheci a minha actual
esposa, com quem acabei por casar passado pouco mais de um ano. E
tenho uma filha com 21 anos que nasceu em Faro. A nível pessoal, foi
muito bom.
QFS
– E em termos desportivos? Foi quase sempre titular nas primeiras
duas épocas, mas nas três seguintes já foi menos utilizado...
S
– Era opção do Paco Fortes. Tive uma relação complicada com
ele, fazia-me a vida negra. Eu jogava a líbero e gostava de jogar a
bola pelo chão, passá-la aos médios, mas ele não queria isso e
dizia que, se o médio perdesse a bola, a culpa era minha. Um dia,
isso aconteceu num jogo com o Boavista e ele quase teve um ataque de
coração! No treino seguinte ele virou-se para mim e disse: “Ou
jogas como eu quero, ou não jogas mais”. A partir daí, passei a
fazer jogos em que nem dominava a bola, era só chutar para longe!
Depois disso, houve um jogo com o Braga em que cada bola que vinha,
eu chutava para fora do estádio! Se era assim que ele queria, era
assim que eu ia fazer. Fui considerado dos melhores em campo, mas
para mim aquilo foi uma vergonha de jogo. Era uma tristeza jogar
assim, mas numa coisa ele tinha razão...
QFS
– Então?
S
– É que os médios que vinham buscar a bola, por muito bons que
fossem tecnicamente, borravam-se todos assim que a recebiam. Por
isso, era perigoso jogar com a bola no pé naquela zona do campo. Com
o tempo, e depois de ser treinador, comecei a perceber algumas coisas
que na altura não percebemos, e hoje já dou razão ao Paco em muita
coisa.
QFS
– Ainda fala com ele?
S
– Sim, às vezes falo com ele no Facebook. Aliás, quando ele
treinou o União de Lamas, estivemos juntos algumas vezes.
“Gostava
era de defrontar adversários difíceis”
QFS
– Era de marcar poucos golos, mas o primeiro foi logo ao Benfica,
num empate 2-2 no São Luís!
S
– Sim, mas dava-me mais prazer impedir golos do que marcar. Se a
bola fosse a entrar para a baliza e eu de carrinho impedisse o golo,
isso para mim sabia muito melhor. Marquei poucos, mas fiz algumas
assistências – lembro-me de uma com o Salgueiros, em que recuperei
a bola na nossa área, saí em corrida e dei com o pé esquerdo ao
Hassan. Estávamos a ganhar 1-0 e a passar um sufoco, mas com esse
golo selámos a vitória. Depois vimo-nos aflitos para sair de lá,
foi complicado. Tínhamos fama de ser muito duros, e éramos duros,
mas não desleais. Em Guimarães chegámos a ter o autocarro
apedrejado!
QFS
– E na altura todos diziam que era um inferno ir ao São Luís!
S
– É verdade. Mas ainda hoje não consigo perceber isso. Jogadores
que estavam habituados a jogar no seu estádio perante 60, 70 ou 80
mil pessoas, onde nós gritávamos para um colega a seis, sete metros
e não conseguíamos ouvir-nos devido ao ambiente, parecia que o
estádio ia abaixo: como é que jogadores desses se amedrontavam no
nosso estádio? Eu gostava era desses jogos, de ir aos estádios dos
grandes cheios de gente. Quando cheguei, os meus colegas portugueses
chegavam lá na véspera de um jogo com um grande e perguntavam:
“Como é, Stefan? Quantos vão ser amanhã?” Eu não percebia,
até que os brasileiros me explicaram que no Farense era normal ser
goleado em casa dos grandes, já estavam habituados. Aliás, eles
faziam apostas e se algum dizia “perdemos 4-1”, o outro ainda
respondia: “Estás a ser optimista, se achas que vamos marcar lá!”
Eu não podia acreditar naquela mentalidade, perguntava aos
brasileiros se eles estavam a brincar! No meu primeiro jogo na Luz,
perdemos 2-0 e até fiz uma boa exibição, mas saí chateado pela
derrota. Mas os jogadores, treinadores, dirigentes estavam todos
contentes por não termos sido goleados! Eu pensava “Esta
mentalidade comigo não dá”. Para mim, quando mais difícil fosse
o jogo, melhor. Detestava jogos com adversários fracos.
QFS
– Como explica então alguns grandes resultados frente aos grandes
no seu tempo, nomeadamente os 4-1 ao Benfica em 94/95?
S
– Havia muita rotação de jogadores na nossa equipa, nalguns jogos
eram só dois ou três portugueses. Havia muitos brasileiros,
jugoslavos, marroquinos, jogadores que vinham com outra mentalidade,
que acabava por se sobrepor à dos portugueses e até os fazia
acreditar mais.
QFS
– Porque ficou tantos anos no clube mesmo sem ser primeira opção?
S
– Sempre tive confiança nas minhas capacidades e sentia que tinha
de lutar para recuperar a titularidade. No fim da terceira época,
inclusive, até renovei por mais dois anos. E a minha filha nasceu em
92/93, altura em que fui operado e parei algum tempo, e confiava
muito no Fernando Belo (médico do Farense na altura), não queria
ser visto por mais ninguém. Por isso fiquei por Faro.
QFS
– Ainda se lembra da equipa tipo mais utilizada por Paco Fortes
nesses anos?
S
– Na minha posição, a líbero, era eu ou o Miguel Serôdio.
Jogávamos a maior parte das vezes em 3x5x2, com o Ricardo e o Curcic
na frente inicialmente. Depois chegou o Djukic, que era muito alto
mas preferia jogar a extremo-esquerdo do que a ponta-de-lança. Era
um líbero, dois centrais na marcação, dois médios defensivos e um
atacante, que era o Ademar ou o Hajry depois, mais os alas e os
avançados. Durante muito tempo jogávamos na frente com o Hassan e
um dos extremos, o Pitico ou o Mané, que eram muito rápidos e iam
das linhas para o centro. Era uma táctica defensiva e muito
criticada pelos adversários, mas a verdade é que resultava. O Paco
dizia: “Não temos as mesmas armas dos outros, por isso temos de
atacar como podemos”.
QFS
– E continua a falar com colegas desse tempo?
S
– Quando vou ao Algarve, estou sempre com o Edinho, e com vários
outros vou falando no Facebook. É normal trocarmos impressões. O
Mané era como um irmão para mim, o Pitico também. Mas sabe, nós
não éramos um grande grupo de amigos naquela equipa...
QFS
– Então?
S
– Havia muitos grupinhos dentro do plantel. Muitos nem se falavam
uns com os outros fora do campo. Mas éramos homens e profissionais
como há pouco. Se fosse preciso, depois de termos andado à porrada
num treino na véspera, no jogo havia alguma confusão com um
adversário e aquele em quem eu tinha batido no dia anterior era o
primeiro que me vinha defender. Chegámos a ganhar jogos e a festejar
no campo, e depois no balneário já nem nos falávamos. Dentro do
campo, isso aí era todos só com um objetivo: dar tudo pelo clube. E
éramos muito prejudicados pela arbitragem, sabe? Vivi muito isso no
Farense, era sempre para nos deitar abaixo! Contra os grandes, já
sabíamos como era, nem podíamos abrir a boca! Mas todos nos uníamos
dentro do campo.
QFS
– Apesar disso, ficou com o Farense no coração?
S
– Sim, foi o clube onde passei mais tempo na carreira (cinco anos)
e estive nos melhores anos da sua história, tirando a época de
89/90, em que o Farense foi à final da Taça – cheguei em 90/91.
Marcou uma fase muito positiva na minha vida, foi o ponto alto da
minha carreira, a par de ter jogado na selecção brasileira de
sub-17 e da estreia a sénior na Ponte Preta. Vivemos momentos
fabulosos no Farense, tenho orgulho em ter jogado num grupo desses,
apesar de todas as dificuldades. Sabe, nos 5 anos em que joguei no
Farense, nunca tive os salários em dia!
QFS
– A sério?
S
– É verdade. O Farense não tinha arcaboiço para pagar os
ordenados que pagava. Eu achava que ganhava muito, mas havia quem no
plantel ganhasse três ou quatro vezes mais!
QFS
– Foi por isso que saiu no fim da época 94/95?
S
– Também. Fizeram-me uma proposta para renovar, reduzindo o
salário para metade, e eu ia aceitar! O problema é que nem assim me
davam garantias de pagar a tempo e horas. E eu pensei: “Já não
engulo certas coisas, o melhor é sair”. Sempre vivi a minha vida
assim e sei que fui muito prejudicado por isso, mas tenho orgulho.
Além disso, também não acreditava que o Paco Fortes contasse
comigo. Ele até foi falar directamente comigo, a pedir-me para
ficar, mas acabei por decidir sair.
QFS
– Quais os momentos no Farense que mais recorda?
S
– Além da chegada a Faro, foi o fechar com a ida à Taça UEFA. A
nível pessoal, o casamento e o nascimento da minha filha. Mas acima
de tudo, em termos desportivos, foi o ter a noção de que todos os
anos tive o respeito das pessoas, que sempre reconheceram que eu dava
tudo pelo clube.
QFS
– Depois disso, ainda celebrou uma subida à I Divisão pelo
Espinho...
S
– Fui para lá quando saí do Farense, mas o treinador (Adelino
Teixeira) era dez vezes pior que o Paco! Assim que cheguei, disse-me
logo que não gostava de jogadores experientes, porque no passado já
lhe tinham feito a cama noutros clubes. E depois só me punha a jogar
nos jogos fora, em casa deixava-me na bancada! No fim da época, até
disse ao presidente que não queria férias, porque tinha jogado
pouco, mas depois fui ver os registos e mesmo assim era o defesa com
mais jogos! A nível desportivo, foi muito bom, subimos, fizemos uma
festa danada! Tínhamos um grupo muito humilde, muito homogéneo. O
presidente propôs-me ficar, mas fui orgulhoso e preferi sair. Hoje,
vejo o Espinho com tristeza, o clube está a acabar, o estádio em
ruínas...
QFS
– E ainda volta ao Algarve em 96/97, para jogar no Imortal, antes
de acabar a carreira no União de Lamas aos 32 anos...
S
– O Imortal tinha o projecto de subir à II Liga, fui por indicação
do Pitico, que estava lá a jogar. Foi uma boa experiência, conheci
o senhor José Torres, que era director do clube, uma pessoa
espectacular, mas acabou por não correr bem desportivamente. Depois
fui para o União de Lamas, que andava à procura de um central
experiente, mas aí rebentei o joelho e practicamente acabei a
carreira. Ainda fui na época seguinte para o Cesarense, mas treinava
e jogava num pelado e isso era impossível, da maneira como tinha o
joelho. Então, acabei.
“O Paco Fortes fazia-me a vida negra, mas ensinou-me tudo"
QFS
– Para quem nunca o viu jogar, como se descreve enquanto jogador?
S
– Era pau para toda a obra. Voluntarioso, rijo, lutava até ao fim,
solidário, com uma mentalidade de equipa muito forte, não me podiam
acusar de falta de luta. Nunca jogava a toalha ao chão, era até não
poder mais. Tinha um bom pé para meter bolas a meia distância, boa
leitura, boa visão de jogo, fazia muitas dobras aos colegas.
QFS
– Recorda com saudade o apoio dos adeptos?
S
– Muita saudade. Os adeptos viviam o clube de maneira especial,
principalmente aquela claque (South Side Boys), que dava espectáculo.
Fui ver o jogo com o Porto B em Gaia há pouco tempo e só se ouviam
eles!
QFS
- Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?
S
– No Brasil, cheguei a fazer particulares com o Mendonça, o
Falcão, o Careca que jogou com o Maradona no Nápoles, o Neto, hoje
um respeitado comentador desportivo no Brasil. O André Cruz cresceu
na mesma equipa que eu (Ponte Preta), o Silas, o Paulo Pereira, que
também jogaram em Portugal... No Farense, o Hassan, o Hajry, o
Djukic, o Ademar, o Portela, o Jorge Soares, o King, o Zé Carlos, o
Rufai, que me marcou muito. Era uma pessoa extremamente humilde, de
uma simplicidade... um grande ser humano. O Lemajic também me
marcou, o Sérgio Duarte, o Pitico, o Mané... O Luizão, central só
de marcação. Não sabia jogar em marcação à zona, para ele era
sempre homem a homem!
QFS
– E treinadores? Paco Fortes apesar de tudo, ou não?
S
– Sim, sim, Paco Fortes, claro. De uma maneira ou de outra, marcou
muito pela maneira como trabalhou aquele Farense. Bastante bem
acompanhado pelo (Manuel) Balela e pelo Fanã, mas o líder era ele.
Tinha aquele carisma. Adaptou-me a líbero, foi ele quem me ensinou
tudo. Não sou mal-agradecido.
QFS
– Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?
S
– Acima de tudo, que acreditem nesta direcção que está agora no
clube. Conheço alguns e são pessoas honestas e farenses até
debaixo de água! De certeza que, sem loucuras, vão fazer o melhor
que puderem para levar o Farense para o lugar que lhe pertence, que é
a I Liga. Dava gosto quando eu jogava lá, o estádio enchia sempre,
e era gente de todo o Algarve, não eram só de Faro! Voltem a
acreditar, é importante para os jogadores saberem que têm ali gente
a apoiá-los e incentivá-los. Vou acompanhar sempre o Farense e
espero que suba rapidamente.
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