“Farense
é o meu clube do coração”
Quantos
Farenses somos? - Olá, Raul. Ainda está ligado ao futebol de alguma
forma?
Raul
Barbosa
– Não, desde que deixei de jogar, em 1999, que me desliguei por
completo do futebol. Trabalho há quatro anos numa empresa ligada à
restauração e hotelaria.
QFS
– E o Farense, continua a acompanhar?
RB
– Sempre. É o meu clube do coração. Nasci em Angola mas vim para
Faro com três anos, vivo em Faro e o Farense é o clube que me
deixou marcas.
QFS
– Como descreve esta temporada do clube?
RB
– Sinceramente, surpreendeu-me. A II Liga é uma Liga muito
competitiva, tem equipas muito fortes, especialmente as do Norte,
apesar do dinheiro não abundar em nenhuma, mas o Farense conseguiu
fazer uma época tranquila, mesmo com tantas mudanças de
treinadores. Esperava mais dificuldades.
QFS
– E acredita num regresso à I Liga num futuro próximo, ou acha
que ainda é cedo para se colocar essa questão?
RB
– Cedo nunca é, porque no Algarve só há um clube, digam os
outros o que disserem. O Farense tem uma massa adepta espectacular,
uma cidade que respira futebol, e o lugar deste clube é na I Liga. A
ambição tem sempre de passar por estar nesse patamar.
“Devo
tudo a Joaquim Sequeira”
QFS
– Chegou ao Farense aos 22 anos, em 1994/95, proveniente do
Padernense, que estava na…
RB
– … III Divisão.
QFS
– Como surgiu a oportunidade desse salto da III para a I Divisão?
RB
– Foi pela mão do Joaquim Sequeira, uma pessoa que deixou marcas e
a quem devo tudo. Foi ele que me indicou, porque já me conhecia do
Padernense e também da formação do Farense. Depois, cheguei e
consegui impor-me, naquela que foi a melhor época da história do
clube.
QFS
– Ainda se lembra do seu primeiro jogo na I Liga?
RB
– Ainda, foi contra o União da Madeira. Ganhámos 1-0 ou 2-1 [foi
mesmo 2-1]. Joguei como defesa-esquerdo.
QFS
– Para os adeptos mais jovens, que já não se lembram de o ver
jogar, qual era a posição do Raul em campo?
RB
– Jogava como defesa-esquerdo ou às vezes defesa-direito. Era o
que a equipa precisasse. Eu e o meu amigo Paixão ficávamos com a
missão de marcar os jogadores mais influentes do adversário.
Cheguei a fazer alguns jogos como médio defensivo também.
QFS
– Qual foi o ponto alto dessa época?
RB
– Tivemos vários, foi uma época fantástica, mas terei de dizer o
4-1 ao Benfica. Foi uma loucura!
QFS
– Passados quase 20 anos, consegue explicar como foi possível
vencer o Benfica por esses números?
RB
– Então não consigo? (risos) Tínhamos uma equipa excelente, um
plantel muito unido. O Benfica também não estava numa época boa,
mas esse Farense era muito forte. Eu gostava muito de jogar no São
Luís, as pessoas viviam o momento, eram muito fervorosas, davam-nos
uma força anímica muito grande. Aquilo era o verdadeiro inferno
para os adversários.
QFS
– Esse jogo fica marcado pelos dois golos de Moussa N’Daw, de
quem nunca mais se ouviu falar…
RB
– E fui eu quem fez os passes para ele marcar os dois golos! Se não
estou em erro, acho que ainda fiz mais uma assistência nesse dia. E
realmente nunca mais ouvi falar do N’Daw, não sei o que é feito
dele…
“Arrependo-me
de ter rescindido com o Farense”
QFS
– No final dessa época, contudo, acaba por rescindir com o
Farense, juntamente com mais três colegas, o que ainda hoje é
lembrado pelos adeptos…
RB
– É verdade, saí eu, o Miguel Serôdio, o Hugo e o Sérgio
Duarte. Foi com muita pena minha. Passávamos por uma série de
dificuldades financeiras, mas o plantel tinha muita qualidade e havia
várias propostas de clubes maiores, só que o Farense não nos
deixava sair. Eu, por exemplo, tive uma proposta do Benfica que foi
rejeitada. Acabei por rescindir a três ou quatro jornadas do fim,
depois de uma vitória sobre o Guimarães [3-0], e assinei pelo
Boavista, tal como o Serôdio e o Sérgio Duarte. Foi uma mágoa sair
assim.
QFS
– No Boavista as coisas correram-lhe bem?
RB
– Correram, mas hoje arrependo-me de ter rescindido com o Farense.
Se fosse hoje, tinha ficado mais anos. Mas na altura era muito jovem,
tinha 23 anos e não pensamos bem nas coisas quando somos novos. Mas
gostei muito de estar no Boavista, era um clube com uma estrutura
totalmente diferente, que estava num processo de renovação, e
fizemos uma grande época, ficámos em quarto lugar.
QFS
– Porque voltou ao Farense em 96/97?
RB
– O Ricardino Neto [então dirigente] pediu-me para voltar. Como
não estava a jogar muito no Boavista, aceitei, mas já não foi como
antes…
QFS
– Que quer dizer?
RB
– Para os adeptos, eu já não era o Raul que eles conheciam. O
ambiente para comigo estava diferente, já não sentia o calor humano
de antes. Principalmente quando as coisas me corriam mal. As pessoas
não esqueceram a minha saída. Mas é normal.
QFS
– Nessa época marcou o seu único golo oficial pelo Farense…
RB
– É verdade, ao Gil Vicente. O meu único golo na I Liga. Foi de
cabeça, vencemos por 2-1. Mas essa época já não teve nada a ver
com a minha primeira no Farense. Acabámos por não descer, mas os
jogadores que entraram entretanto não colmataram a qualidade dos que
tinham saído daquela grande equipa.
QFS
– No ano seguinte foi para a II Liga (Felgueiras). Porquê?
RB
– Continuava ligado ao Boavista, mas não jogava e decidi aceitar a
oferta do Felgueiras, que tinha descido e tinha a ambição de voltar
à I Liga. O treinador era o Jorge Jesus, o melhor treinador que tive
na carreira. Em método de treino, a nível tático, tudo. Era muito
difícil lidar com ele (risos), mas em termos de conhecimento foi o
melhor.
QFS
– Mas a experiência não correu da melhor forma...
RB
– O clube não estava bem em termos monetários, passava por
grandes dificuldades, e o Jorge Jesus acabou por sair a meio da
época. Fizemos uma época irregular [nono lugar].
QFS
– No final dessa época joga… a CAN, a principal competição
africana de selecções, por Angola!
RB
– Sim, eu nasci em Angola e surgiu essa oportunidade: na altura o
seleccionador era o Professor Neca, ele conhecia-me de Portugal e
chamou-me para jogar na CAN. Já tinha tido vários convites, quando
o seleccionador era o Carlos Alhinho, mas rejeitei sempre, porque
tinha a esperança de jogar na selecção portuguesa. Mas aquela
oportunidade não desperdicei.
QFS
– Na altura Angola tinha pouca expressão no futebol africano…
RB
– Mas tínhamos uma selecção muito forte, com Akwá, Paulão,
Quinzinho, o Luís Miguel, que jogava no Sporting, o Lázaro, o Lito
Vidigal… A equipa era excelente, e até começámos bem, empatámos
0-0 com a África do Sul, que era muito poderosa na altura [e a
campeã em título]. Mas depois fomos muito roubados! Empatámos com
a Namíbia [3-3] e depois perdemos o último jogo com a Costa do
Marfim [2-5]. Mas foi uma experiência que me deixou muitas saudades.
Esporadicamente ainda falo com alguns jogadores desse grupo.
QFS
– Em 98/99 foi para o União da Madeira…
RB
– Detestei essa experiência. Um clube muito desorganizado, não
tínhamos onde treinar, os salários sempre em atraso… Foi o pior
clube por onde passei. Gostei muito do Funchal, de lá viver, mas do
clube não. E desceu no fim da época…
QFS
– Depois voltou à I Liga, mas não chegou a jogar pelo Santa
Clara. Porquê?
RB
– Porque sofri aí uma lesão grave que me fez acabar a carreira
aos 27 anos. No aquecimento na primeira jornada, com o Sporting, fiz
uma ruptura, mas antes, na pré-época, numa digressão pelas ilhas
lá dos Açores, tinha sofrido uma lesão na coluna e mais tarde tive
de ser operado. Ainda tentei voltar, mas o doutor Lobo Antunes, que
me operou, avisou-me sempre que o melhor era deixar de jogar. A
partir daí, nunca mais joguei, nem com amigos.
“Ver
o Farense a jogar em pelados foi uma mágoa enorme”
QFS
– Mesmo retirado, foi acompanhando o calvário por que passou o
Farense?
RB
– Sempre, e com grande tristeza. Ver um clube como o Farense, um
histórico do futebol português, a jogar em pelados nos distritais…
Foi uma mágoa enorme. Nunca pensei que o clube pudesse cair assim.
QFS
– E nessa fase acreditava que era possível o clube voltar ao nível
que está hoje?
RB
– Sempre acreditei, porque o Farense é um clube com história, um
clube mítico. Já foi à UEFA, já foi à final da Taça…
QFS
– Considera que o apoio dos adeptos, e em particular dos South Side
Boys, também foi fundamental nesse regresso?
RB
– Plenamente. Tenho um apreço muito especial pelos South Side, um
dos fundadores é meu sobrinho, o Paulo Castilho. Eles nunca
desistiram, sempre acreditaram e nunca deixaram de apoiar a equipa. E
tenho a certeza que se o Farense voltar à I Liga, o estádio vai
voltar a encher muitas vezes.
QFS
– Viu, o ano passado, a enchente no jogo da subida com o Leiria?
RB
– Vi, e fez-me recordar os momentos passados naquele estádio. A
massa adepta aderiu em força.
QFS
– Esteve presente no jogo de confraternização dos 100 anos do
clube, em 2010…
RB
– Estive lá e estarei sempre disponível para qualquer coisa que
for preciso no Farense. Joguei só dois anos na primeira equipa, mas
formei-me no Farense e os melhores momentos da minha vida foram ali.
QFS
- Quem foram os melhores jogadores com quem jogou?
RB
– Foram muitos. Timofte, Erwin Sánchez, Nuno Gomes, Ricardo, Artur
[Boavista]. No Farense, o Hajry, o Hassan, o Rufai… E defrontei
muitos muito bons, o João Pinto, o Balakov, o Preud’Homme… foram
muitos.
QFS
– E treinadores? Já falou de Jorge Jesus…
RB
– O Joaquim Sequeira, no Padernense e também no Farense, onde foi
adjunto do Paco Fortes. O Paco, que dava uma força anímica como
ninguém, uma garra, mística enorme. O Manuel José, também um
grande treinador, e o Manuel Fernandes.
QFS
– Quer deixar uma mensagem para os adeptos do Farense?
RB
– Acreditem sempre e não abandonem o Farense, porque é um grande
clube.