Farense capa

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sábado, 12 de maio de 2018

Mateus




"É difícil encontrar no futebol português adeptos como os do Farense”

Quantos Farenses somos? - Olá, Mateus. Aos 42 anos, cinco anos depois de ter saído do Farense, ainda continua a jogar?

Mateus – É verdade. É aquele bichinho que não me deixa largar, aquela camaradagem que faz sempre falta. Estar perto dos colegas ao Domingo... O futebol foi a minha paixão durante todos estes anos, uma das coisas melhores que me aconteceu na vida. Estou na distrital de Elite (Porto), no Maia-Lidador. No ano passado o objectivo era subir ao Campeonato de Portugal, tínhamos uma equipa arranjadinha, com alguns jogadores que passaram por I, II Liga. Ainda fomos à fase da liguilha, mas... subiu o Canelas, com todas aquelas coisas que se sabe. Este ano foi mais só para manter, andar ali a meio da tabela. Saíram alguns jogadores importantes para o Campeonato de Portugal... Fizemos um campeonato tranquilo.




QFS – O seu colega no ataque também é um velho conhecido do futebol português: Cafú (40 anos, ex-Belenenses e Boavista).

MÉ aquela vontade de ensinar os mais jovens e apoiá-los. E eles também se sentem com vontade de aprender e isso é bom, leva-os a eles a dar o máximo e a nós a querer mostrar que ainda conseguimos estar ao nível deles. Nós mais pela experiência, eles mais pela vontade de querer fazer uma carreira engraçada como a nossa (risos). Perguntam pelas nossas experiências, o que fizemos para chegar lá, à I, à II Liga, se é fácil... Nós dizemos: muito trabalho, sorte, que também é preciso, e alertamos que o futebol não é só coisas boas, não é só ganhar dinheiro, tem de se pensar também no futuro. É uma carreira curta, e quando menos esperamos estamos a acabar. E depois? Eu ganhei algum dinheiro, fiz bons contratos, mas era jovem, não pensava... Eles agora têm mais apoios, mais pessoas a aconselhar. Antigamente nós pensávamos que o futebol nunca ia acabar; só mais tarde é que percebíamos que afinal isto acaba e podia ter feito outras coisas, porque um profissional tem muito tempo livre, treina duas horas por dia só. Dá para fazer muita coisa, fazer cursos, tirar formações... E poupar, que às vezes gastamos dinheiro à toa e mais tarde é que caímos na realidade.


QFS – De há algum tempo para cá já tem outra profissão além do futebol, certo?

MSim. Como não tinha muitos estudos, fiz uma formação como vigilante, estive na Prosegur e na Securitas. Agora estou numa experiência totalmente diferente, onde caí de pára-quedas: uma empresa que faz sacos de plástico para a Zara, para a Bershka... Estou ali numa secção onde afinam as tintas para fazer os logotipos. Estou lá há 2 meses e meio, estou a aprender ainda, ainda é tudo muito novo. Este ano não joguei muito porque os turnos como segurança eram complicados, tinha dificuldades em conciliar os horários para poder jogar. Por isso já fui deixando de jogar aos poucos, em princípio para o ano ponho um ponto final. Eles convidaram-me para ficar mais um ano, mas tive um convite de um colega que tem o curso de treinador e vai pegar numa equipa aqui na zona do Porto. Convidou-me para ser adjunto dele e estou a ponderar; se for uma coisa com pernas para andar... Eu não me vejo muito como treinador principal, é complicado em Portugal. É preciso muita sorte e muitas cunhas (risos).


QFS – O Mateus tem praticamente a mesma idade do seu treinador (43 anos)! Não é uma sensação estranha?

MEu, quando estou lá, para ser sincero não me lembro da idade que tenho! Às vezes estou a fazer coisas que os mais novos não fazem, eles até ficam "Fogo, tu com 42 anos ainda fazes isso, ainda dás um pique desses!" O treinador é da nossa idade, mas há sempre aquele respeito, aquela vontade de aprender com ele e tentar passar também as nossas experiências. Ele próprio gosta e pede a nossa ajuda. Mais o Cafú, que passou por outros campeonatos, outras ligas, é mais interventivo que eu.


QFS – E em relação ao Farense, continua a acompanhar o percurso do clube?

MSim, fiquei um adepto do Farense, foi um clube que gostei muito de representar. É um clube que merece outros campeonatos, outros vôos. Tem uns adeptos como é muito difícil encontrar no futebol português, tem condições extraordinárias e mesmo a cidade em si merecia o Farense noutro patamar. Pensei que, com a nossa subida, depois era sempre a subir. Depois houve aquele percalço, mas com o que tenho acompanhado, acho que têm muitas condições para subir, estão a fazer um campeonato extraordinário.


QFS – O Mateus jogou também no Felgueiras, já há alguns anos (2000/01). Conhece alguma coisa desta equipa actual?

M –Tem uma equipa jeitosinha, um treinador novo, mas não tenho acompanhado muito. Acompanho mais o Farense, porque fiquei com mais ligações, o Felgueiras já foi há muitos anos. O Farense, com uma vitória e 3 golos fora, tem tudo para passar à fase seguinte. Pode entrar tranquilo e fazer uma grande partida, tem tudo para ganhar. Se fizerem aquela recepção que fizeram no ano que nós subimos, aquelas 15 mil pessoas no estádio... O Farense tem uma equipa muito experiente, eu tenho visto alguns vídeos dos jogos e gosto muito da maneira como está a jogar. O treinador também está a fazer um bom trabalho. Prefiro que passe o Farense, o Felgueiras já não me diz quase nada. Sinto saudades de Faro, do clube, foi uma época mesmo marcante para mim. Ficava contente se o Farense conseguisse passar.



QFS – Curiosamente, antes disso já tinha jogado no Vizela, que pode ser o nosso adversário seguinte caso passemos às meias-finais...

M – Também foi um clube que me marcou muito. Tem uma equipa melhor que a do Felgueiras, é mais forte, pelo menos em casa. A zona Norte é mais à base da força, não é um futebol tão bonito como aí na zona Sul, onde há mais jogadores tecnicistas. Mas o Farense tem de encarar o Vizela como uma final, não poderá facilitar.


"Ainda fico arrepiado quando penso nas 15 mil pessoas com o Leiria”




QFS – Chegou ao Farense com 37 anos depois de várias épocas fora de Portugal. Como se deu essa vinda?

MPara ser sincero, já nem pensava voltar ao futebol português como profissional. Foi tudo muito rápido, o Nuno Santos (treinador de guarda-redes na equipa técnica do Bruno Ribeiro) tinha jogado comigo no Chipre e no Santa Clara e estava-me sempre a ligar para ir para o Farense. Eu dizia "com 37 anos, será que vai correr bem?" Mas ele sabia que eu estava bem, tínhamos feito uma grande época no Chipre, subimos de divisão, e lá aceitei. Acabo por nem me cruzar com eles no clube, foram embora na semana em que eu cheguei. Mas correu bem, eu estava bem, os adeptos estavam um bocadinho desconfiados da minha idade mas depois acho que correu bem e conseguimos alcançar os objectivos a que nos tínhamos proposto. Foi uma experiência espectacular e tenho orgulho de dizer que subi de divisão com 37 anos!



QFS – Faz dez jogos, sete dos quais como titular. E marca um golo decisivo!

MEm Fátima. Fiz o golo da vitória e a assistência para o Ibukun. Foi um dos melhores jogos que fiz pelo Farense. Um cruzamento da direita do Matias e eu dei uma cabeçada quase de fora da área - foi um grande golo, por acaso! Tínhamos um grupo fantástico, foi um ano espectacular. Era um grupo unido, o pessoal queria mesmo levar o Farense para a II Liga. E fizemos mesmo uma recuperação de galácticos! Estávamos com 7 pontos de diferença para o Mafra e fomos amealhando, amealhando... Foi espectacular. E mesmo a massa associativa, empurrou-nos à grande. Houve um jogo em Lisboa, que chovia... A bola nem rolava! Ganhámos 1-0 com o Futebol Benfica, já nem me lembro quem marcou...



QFS – Foi o Justo!

MPois foi, é verdade. O Justo era um craque! Tínhamos jogadores com muita qualidade. O Matias, que também chegou a meio da época, o Ibukun, os centrais eram muito bons - o Bruno Bernardo tinha tudo para ter feito uma carreira muito melhor... O Tiago (Martins) era um guarda-redes extraordinário, tinha uma grande qualidade. O Bilro era um animal no meio-campo (risos)! A única coisa que fiquei triste foi chegar ao final da época e terem dispensado os jogadores quase todos. Durante a época diziam que iam manter a equipa quase toda, iam buscar só mais 2 ou 3 jogadores e faríamos uma grande época na II Liga, porque nós fazíamos jogos-treino com equipas estrangeiras e batíamo-nos muito bem. Eu dizia "Isso é o segredo, presidente: se se quiser manter na II Liga ou tentar subir, é manter a equipa e buscar 2, 3 jogadores". Ele dizia "É isso, é isso", mas depois chegou ao fim... E não percebi. Fiquei triste até por colegas, que tinham valor para ficar, e por deixar o clube também, pensava fazer mais uma época.






QFS – Falou há pouco da festa no jogo com o Leiria, na última jornada. Foi titular nesse encontro, como recorda a entrada em campo perante um estádio com aquela moldura humana?

MEu ainda hoje, quando falo disso ou quando vejo fotografias, fico arrepiado! Já tinha jogado em vários estádios, alguns até cheios, mas como aquilo nunca tinha visto! Um clube de II B ter aquela moldura humana ali... E não foi só nesse dia, foi no decorrer da semana inteira, os treinos... E depois na saída do hotel, do autocarro, ver aquelas motas a ir à nossa frente. Depois chegar lá e ver o estádio completamente cheio, quando subi ao aquecimento começou logo a dar aquela tremideirazinha (risos)! E depois foi a festa no final.





QFS – Ainda se assustou um bocadinho? A 10 minutos do fim o jogo estava empatado...

M – Pois, eles empataram pouco depois de eu sair. Pensei que íamos morrer na praia... Mas também fomos roubados, o árbitro anulou-nos ali dois golos limpos! Pelo menos o do Diop, ele vem de trás e dá aquela cabeçada... Aquele era limpinho. Depois acaba por marcar um penalty um bocado duvidoso... Mas foi merecido, a equipa que tinha de subir ali era mesmo o Farense. Depois foi a festa, queria era festejar! Depois ainda havia aquela fase para encontrar o campeão, mas na semana antes foi só festejar, as pessoas viveram mesmo aquele momento! Mas ser campeão era importante, e fizemos bons jogos, o Chaves também tinha uma equipa muito forte. Ficámos perto.



QFS – Como já referido, acaba por não seguir com a equipa para a II Liga. Passa, ainda, por Quarteirense e Almancilense antes de voltar de vez ao Norte...

M – Joguei mais aqui na zona Norte, a mãe da minha filha é daqui e tinha casa aqui. Queria ficar no Algarve, gosto muito daquela zona, mas o trabalho é só no verão, depois disso não há trabalho e no Norte é mais fácil arranjar qualquer coisa. O futebol estava a acabar, os ordenados começam a ficar mais baixos... No Quarteirense prometeram-me trabalho e depois falharam, por isso voltei para o Porto. Depois recebi o convite do professor Veríssimo para o Almancilense, até acabámos por subir, mas não terminei a época, arranjaram-me trabalho num hotel mas aquilo era só no verão, depois começou a ficar difícil e por isso pedi para vir embora. Ingressei no Paredes e optei por ficar cá por cima.




QFS – O que guarda da passagem pelo Farense? Não foi muito longa, mas foi significativa!

MAquela subida, aquele dia, aquele jogo. Os colegas, os adeptos, a claque - os South Side são espectaculares. Aquele grupo fantástico que nós tínhamos. E o S. Luís, que é um estádio carismático. E aquela viagem à Ribeira Brava, no jogo em que passamos para primeiro. Mesmo na Madeira, na bancada tínhamos 100 e tal, 200 pessoas que se deslocaram lá para nos apoiar. O Farense é um clube diferente, quando falo do Farense falo com muito carinho, muita alegria e muito respeito: gostei mesmo de jogar ali. Fiquei um bocadinho magoado por ser dispensado, mas não beliscou o sentimento.

"Estávamos na II B e parecia que estávamos na I Liga”

QFS – Há pouco dizia que nunca tinha visto nada como aquela festa da subida. Mas já tinha estado noutras, inclusive para a I Liga, com o Rio Ave!

M – Sim, fomos jogar a Santa Maria da Feira, empatámos quase no último minuto e também foi uma loucura, o estádio também estava cheio. Mas foi diferente porque o jogo foi fora, tivemos de nos deslocar até Vila do Conde para fazer a festa. Foi bonito, mas os adeptos do Farense não se comparam aos do Rio Ave. Os do Rio Ave foram àquele jogo e vibraram, mas os do Farense foram a época toda!

QFS – O Mateus acaba por passar por todos os escalões do futebol português!

M – É verdade. Tive muitas experiências boas, outras menos boas. Joguei em Chaves, em Portimão, nos Açores... Fico contente pela minha carreira, por ter podido desfrutar assim. O que fica mais é as amizades que fazemos por essas passagens.



QFS – Jogou ainda em Angola, inclusivamente na Liga dos Campeões africana, no Chipre e foi internacional por Cabo Verde.

M – Sim, ainda joguei com alguns dos jogadores que estão na selecção agora, mas foi connosco que se começou a criar a base. Joguei com o Lito, com o Ricardo que ainda está no Paços de Ferreira, tínhamos um grupo bom. Na altura, os jogadores cabo-verdianos que jogavam cá tinham a esperança de jogar pela selecção portuguesa e não aceitavam jogar por Cabo Verde. Hoje em dia já não é assim, já põem o país onde nasceram em primeiro lugar. Para mim, foi espectacular vestir a camisola do meu país, foi um orgulho. No estrangeiro, foi aprender, ter experiências novas. Em Angola não me adaptei, assinei por 2 anos, a equipa era boa (Manucho, Zé Kalanga), foi na altura que Angola foi ao Mundial. Mas era uma realidade totalmente diferente, as condições não tinha nada a ver com o que são agora... Às vezes ia jogar a sítios... Já não havia pelados, mas muitos eram ervados (risos). Aquilo era difícil imaginar, hoje já não existe. Uma vez fomos jogar aos Camarões, aquilo era só buracos e o locutor dizia "Temos aqui uma relva muito boa para a prática do futebol" (risos)! Às vezes tínhamos de equipar dentro do campo, os balneários estavam todos partidos... Nos hotéis não haviam camas para todos, tínhamos de dormir no chão... Nalgumas coisas era mesmo o fim do mundo. Depois pedi para vir embora, vim para o Santa Clara.





QFS – E antes disso já tinha passado pelo Portimonense. Em qual dos dois gostou mais de jogar: Farense ou Portimonense?

M – O Farense é um clube que sente mais a camisola, que vive mais o futebol. O Portimonense é aquele clube simpático, onde também gostei de estar, fui muito bem tratado e fiz uma grande época, mas não tive aquelas emoções como no pouco tempo que estive no Farense. Se o Farense estivesse na I Liga haveria mais alarido, as pessoas viviam mais. O Farense quase que ia agora à final da Taça de Portugal e viu-se logo as pessoas a viver aquilo intensamente! O Farense tem outra paixão. Nós estávamos na II B e parecia uma equipa da primeira divisão, sentíamo-nos jogadores! Eu até dizia aos miúdos "Se eu soubesse que o Farense era assim tinha vindo mais cedo!" 




QFS – Dificilmente fez mais de um ano numa equipa. Porque mudava tanto de clube?

MO meu objectivo era jogar na I Liga. Andei sempre atrás desse sonho, foi isso que me manteve mais aqui em Portugal. Acabei por chegar lá aos 33 anos, já foi um bocadinho tarde. Durante muito tempo joguei em clubes que lutavam para se manter na II Liga, depois fui para a Suécia e quando voltei já fui visto de outra maneira, já eram os clubes que lutavam para subir que me começavam a chamar. No Rio Ave, cheguei a meio da época no ano da subida à I Liga e depois fiquei para a época seguinte, mas as coisas não correram bem, estava a jogar pouco, depois chegou o Carlos Brito e trouxe novos jogadores, Yazalde, Fábio Coentrão... Comecei a ver que ainda ia jogar menos, depois tive o convite para ir para o Chipre e optei por arriscar. Hoje se calhar arrependo-me, até porque na altura tinha nascido a minha filha, tinha convites para clubes bons aqui, mas pronto. Também vivi lá uma boa experiência, conheci outras culturas. O futebol lá na altura ainda não era muito forte, era um bocado amador, mas agora já é diferente. Depois, com a crise na Grécia, os salários começaram a falhar, além de terem baixado mais de metade. Deixou de compensar. Mas para viver, o Chipre é um país espectacular, estilo Algarve! Calor todo o ano, praia, sol...




QFS – Foi acompanhando a queda do Farense durante a década de 2000?

MO Farense mesmo quando desceu à II Liga ainda continuava com uma grande equipa! Pelé, Bruno Alves... eu jogava no Marco e ainda me lembro que eles vestiam fato e gravata para ir para os jogos! Eu vi-os chegar e disse "Epá, que equipa é esta?" (risos) E aquilo ficou-me na memória. Foi com muita pena que assisti a essa queda, porque tinha colegas que tinham jogado com aqueles nomes míticos, o Ramos, o Cavaco, e o Farense era um clube com mística de I Liga, o maior do Algarve. Sinceramente pensei que ia acontecer como alguns clubes aqui no Norte. Mas depois de ter jogado lá, vi que aquela força nunca desapareceu, os adeptos e aquela claque nunca deixaram de acreditar e nunca deixaram que o clube se afundasse. É por isso que sinto que têm aquela força e aquela crença de que vão conseguir um dia pôr o Farense na I Liga outra vez. Vai depender de muita coisa, mas o Farense tem tudo para voltar, porque tem aquele ADN de clube de I divisão. E nunca perdeu isso. Em pouco tempo vão conseguir e vamos ver o Farense na I Liga.

QFS – Para quem nunca o viu jogar, como se definiria enquanto jogador?

MUm jogador de equipa. Não muito técnico, mas com muita garra, muita força e que não dá um lance por perdido. Muito querer, foi isso que me levou para outro patamar, o lutar até ao último minuto. A entreajuda, o sofrer dentro do campo. Eu sempre soube que tecnicamente não era o mais evoluído, mas tinha de ganhar aquela bola e tinha de chegar em primeiro. Nunca desistia de um lance e às vezes sozinho na frente destruía uma defesa, só com aquela vontade (risos)! No Portimonense, quando fiz dupla com o Serjão, saiu uma frase num jornal sobre nós que era "Altos, fortes e maus"! Fizemos uma época espectacular.




QFS – Quais os melhores jogadores com quem jogou na carreira?

MApanhei muitos! Um deles que ainda está no Farense, o Livramento. Era um craque! Tem uma qualidade... Podia ter ido mais longe. O Ibukun, um dos melhores jogadores naquele Farense... O Pituca, o Caju, o Brigues, que está no Leiria e também tinha muita qualidade. Pôs o Caju em sentido (risos). Era uma equipa que saía um, entrava outro e a equipa continuava sempre a jogar bem. No Beira-Mar, joguei com um ponta-de-lança que era o Roma, também tinha uma qualidade... No Rio Ave apanhei o Evandro, o Niquinha, o Fábio Coentrão. São muitos.





QFS – E treinadores? Quem mais o marcou?

M O meu primeiro treinador como profissional, na Oliveirense, o Tião, que infelizmente já faleceu. O João Eusébio no Rio Ave, gostei muito de trabalhar com ele. O Rogério Gonçalves, Diamantino Miranda, o Pacheco também no Portimonense, o João de Deus na selecção, tinha bons métodos, trabalhava bem. Gostei de quase todos os treinadores com quem trabalhei, tive sempre uma boa relação com todos. Jorge Castelo, no Felgueiras. Na Ovarense apanhei o Fanã, que é aí de Faro, o adjunto era o Pedro Miguel. Gostei dele, fiz uma grande época nesse ano. Muito boa pessoa.


QFS – E sobre o Mauro de Brito, que apareceu no Farense a meio dessa época 2012/13, conseguiu a subida e depois saiu na época seguinte e desapareceu por completo, que opinião ficou?

MEle foi inteligente, não inventou muito, tentou dar continuidade ao trabalho que o Bruno Ribeiro já tinha feito. A base estava ali, ele viu que tinha ali matéria para fazer um bom trabalho e acabou por consegui-lo, subiu e foi pena não ter dado continuidade. Na altura ele dizia que, se ficasse, queria ficar com a maioria dos jogadores, acho que não foi por ele que quase todos fomos dispensados. Acabou por ficar porque seria sempre mau despedir um treinador que acaba de subir de divisão, mas ele sabia e já estava com as malas preparadas (risos). Acabou por não ter sorte.





QFS – Ainda mantém contacto com os colegas desse tempo?

MSim, pelo Facebook falamos. O Serrão encontro-o muitas vezes aqui no Norte. Falo com o Matias, Pituca, que ainda apanhei no Almancilense, o Justo, o Fábio Teixeira. Tínhamos um grupo mesmo unido, e foi mais por causa disso que conseguimos subir, éramos todos a remar para o mesmo lado. Jogasse quem jogasse, queríamos era subir de divisão.


QFS – Por fim, pedimos que deixe uma mensagem para os adeptos do Farense.

MQue consigam alcançar o que tanto procuram: pôr o Farense na I Liga e mostrar essa paixão ao país inteiro. A I Liga tem falta de equipas com esta paixão pelo futebol, aquela emoção, aquela festa que o Farense leva aos jogos.



sexta-feira, 4 de maio de 2018

Cavaco


"Com a qualidade deste plantel, subir é quase uma obrigação”

Quantos Farenses somos? - Olá, Cavaco. Já passaram 16 anos desde que deixou o Farense. Ainda continua ligado ao futebol, ou está a trabalhar noutra área?

Cavaco – Estou desde 2010 a trabalhar como segurança em Almada. Quando saí do Portimonense (2006) ainda estive como adjunto no Olivais e Moscavide, na II Liga, mas as coisas não correram muito bem e depois deixei o futebol. Não houve seguimento da carreira, não houve convites para nada e resolvi seguir a minha vida fora do futebol. Estive, e ainda estou, ligado a uma empresa de venda de equipamentos da Nike, somos os representantes da Nike em Portugal ao nível de clubes e escolinhas de futebol. Estamos com o Estoril, com o Marítimo, com o Santa Clara, para o ano vamos ter o Rio Ave... Entretanto também não estava a gostar de algumas coisas nas vendas e entrei numa empresa de segurança, a Securitas, para trabalhar aqui no Fórum Almada, ao pé da minha casa. Continuo nas vendas em part-time e desde 2010 faço as duas coisas. Mas continuo ligado à bola, ainda que de outra forma, além de manter muitos amigos e muitos contactos no meio, agora como treinadores, dirigentes ou empresários.


QFS – E continua a acompanhar o percurso do clube?

C – Continuo, continuo. O Farense ficou-me no coração! Foram três anos aí em baixo, foi dos clubes (juntamente com o Portimonense) onde estive mais tempo. E quero voltar ao Algarve para viver, se Deus quiser! A qualidade de vida, não tem nada a ver com Lisboa. E hoje o Algarve está muito diferente do que era há 20, 15 anos. Já não tem época, melhorou muito a todos os níveis, infra-estruturas... Já não é uma zona só para passar férias, já é muito mais do que isso.


QFS – Acredita no regresso à II Liga já este ano?

C – Infelizmente, fiz parte do início da queda do Farense. Problemas financeiros, a nível da direcção... Descemos de divisão, foi um ano muito atribulado. Mas conseguiu levantar-se. Bateu no fundo, mas se calhar por um lado foi bom; às vezes tem de se dar um atrás para dar dois à frente e o Farense fez isso. Agora, pelo que tenho lido, está bem encaminhado para voltar aos escalões profissionais. Tem a obrigação de subir, mas não é só ele. Mas parece estar no bom caminho.





QFS – Também passou pelo Felgueiras, curiosamente logo no ano seguinte a sair do Farense. Conhece alguma coisa desta equipa actual?

C – Não, não conheço. Mas para estarem a disputar a subida é porque também têm qualidade. Fazendo um bom resultado lá, o Farense deixa a eliminatória em aberto, e em dois jogos, acho que é positivo fazer o segundo em casa. De certeza que já viram o Felgueiras jogar e que se vão preparar bem para este primeiro jogo; se não resolverem já, pelo menos que o consigam em casa. E que subam - prefiro o Farense ao Felgueiras! Nem penso, nem discuto (risos). Também só estive um ano lá, e também descemos de divisão por problemas idênticos aos do Farense, por isso as memórias não são as melhores. Foi um ano complicado, fiquei a arder com 25 mil euros. Deixei lá muitos amigos, é uma boa zona - para comer e beber é do melhor (risos), mas se tivesse de escolher entre o Farense e o Felgueiras, escolhia o Farense, sem dúvida nenhuma!



QFS – Neste plantel ainda tem um jogador que fazia parte da equipa em 2001/02, o Livramento...


C – Sim, sim. E ainda me cruzei com o Jorge Ribeiro, o Neca... Lá está, com a qualidade que tem no plantel, é quase uma obrigação o Farense subir de divisão! Mas dentro do campo é que se discute isso.



"Em 2001/02, a partir de Dezembro não voltámos a receber ordenados”



QFS – Chegou ao Farense em 99/00, com 27 anos e ainda como avançado, certo?

C – Sim, era mesmo ponta-de-lança. Às vezes também jogava a extremo, mas era mesmo avançado. Quando fiz dupla com o Pauleta no Estoril, por exemplo, jogávamos em 4x4x2 e éramos os dois na frente.




QFS – Depois dessa famosa parceria com o Pauleta, vai para Inglaterra (Stockport County) e, além de subir à II divisão, marca um golo ao West Ham, para a Taça de Inglaterra, que ainda hoje é recordado! 

C – É verdade. Mas depois, faltavam três jogos para acabar o campeonato quando parti a perna, fracturei a tíbia e o perónio. Foram dois anos perdidos. Ainda voltei a jogar lá, depois regressei a Portugal, ao Boavista, mas a perna não estava boa - nos primeiros exames médicos disseram-me logo que à primeira pancada que levasse, fracturava a perna outra vez. O Boavista fez-me a proposta de assinar por um ano e tentar recuperar-me, estive mais 5 ou 6 meses parado e depois foi esperar que acabasse a época para, já recuperado, poder voltar a competir noutro clube. O Boavista na altura apostava para disputar o título e tomou a opção de não continuar comigo.




QFS – O que trouxe dessa passagem por Inglaterra? Era um mundo completamente à parte do que conhecia até então...

C – Vim com uma ideia diferente da competitividade, da atitude que é preciso ter dentro do campo. Inglaterra há 22 anos, divisões inferiores, era o "kick-and-run": chego lá caído um bocado do céu e tenho de me adaptar àquele futebol ou então venho-me embora. Tive o meu período de adaptação, 2 ou 3 meses, e tive de mudar a minha atitude. Aqui, um toquezinho e atiramo-nos para o chão. Lá não era assim! Só é falta quando o árbitro apita. Por exemplo, na jogada em que me partiram a perna, nem falta foi assinalada! E lá fui contratado para extremo, porque era pequenino para avançado. Lá, os avançados tinham de ser grandes e fortes. Jogávamos sempre em 4x4x2, em casa ou fora, fosse contra que adversário fosse, era sempre igual. E eu jogava à direita ou à esquerda. O futebol passava pouco pelo meio-campo, era o guarda-redes a bater a bola para os avançados cabecearem para trás para os extremos entrarem ou para os médios-centro atirarem para a corrida dos extremos. Na altura, o extremo inglês típico era correr para a linha e cruzar, e eu cheguei lá e fazia diferente: punha a bola no chão e tentava fazer os desequilíbrios ou corria para a baliza, ou diagonais, ou tabelinhas com os avançados. Comecei a impor-me assim.



QFS – E entretanto, como surge a possibilidade de vir para o Farense?

C – O João Alves, que era o treinador na altura, já me conhecia. Quando eu e o Pauleta saímos do Estoril (fim de 95/96), éramos para ter ido para o Belenenses, tínhamos contrato assinado, e era o João Alves que nos ia levar para lá. Entretanto o Belenenses mudou de direcção, mudou de treinador e depois já não quiseram nem o Pauleta nem o Cavaco, porque ainda havia as indemnizações aos clubes, o Estoril pediu dinheiro por nós e o Belenenses não tinha dinheiro para pagar. Acabámos por chegar a acordo com o Belenenses, abdicámos do contrato e eu fui para Inglaterra e o Pauleta para o Salamanca com o João Alves. Foram muitos portugueses, eu não fui porque ele disse que já tinha muitos avançados. Em 99 houve essa oportunidade de trabalhar com ele, eu estava livre porque tinha acabado o contrato com o Boavista e foi assim que cheguei ao Farense.


QFS – A estreia (derrota por 3-0 em Guimarães, à segunda jornada) não correu da melhor forma: lesionou-se logo aos 24 minutos...


C – Foi um problema muscular. Uma pubalgia, que eu já trazia antes. E aquilo, ou és operado ou tens de fazer um trabalho de recuperação sem treinar. Não cheguei a ser operado, fiz a recuperação, só que estar 3 ou 4 semanas parado... É complicado. E depois, um plantel com 20 e tal jogadores, se as coisas correm bem aos outros... Acabei por ficar de fora. O Farense na altura tinha sempre grandes avançados, jogadores experientes, e se não se consegue entrar na equipa começa-se a pensar em mudar e sair. É normal.
QFS – Mas depois, acaba por ser convertido a lateral-direito!

C – Sim, foi onde fiz mais jogos no Farense, foi a lateral-direito! Nunca me passou pela cabeça. É uma história engraçada. Em Dezembro o João Alves passou de treinador para director-desportivo, depois era o Portela e o Carlos Azenha que iam pegar na equipa, falaram comigo e queriam-me dispensar, porque eu tinha jogado pouco até aí. Andava ali a fazer número, à espera de sair, na altura até era para a II divisão italiana. E entretanto vem o Ismael Díaz antes de um jogo com o Sporting. Nesse jogo foi o Eugénio que jogou a lateral-direito, o Butorovic estava castigado ou lesionado e havia o Eugénio e o Nuno Campos. O Ismael foi ver esse jogo e durante a semana disse que não tinha gostado do jogo do Eugénio. O Butorovic não podia jogar e quem ia jogar no próximo jogo, que era com o Marítimo, era o Nuno Campos. Num treino conjunto, eu estava a jogar a extremo-direito, à frente dele, e nesse treino o Nuno Campos lesionou-se, teve um problema muscular. Portanto, ficámos sem laterais-direitos para o jogo. O Azenha estava no banco e entrou para o treino para fazer número, e eu disse-lhe: "Joga aí tu a extremo que eu vou para defesa, sempre ficamos mais equilibrados". E o treino correu lindamente! No final, o Ismael veio ter comigo e perguntou-me qual era a minha situação no clube, porque já lhe tinham dito que eu não contava. Sem o homem me conhecer, já não contava (risos)!


QFS – ... E depois?

C – Eu disse-lhe o que me tinham dito, que já não contavam comigo, que estava dispensado, e ele disse: "Não, não. Tu no Domingo vais jogar a defesa-direito! Queres?" E eu, claro, respondi que sim. Se ele apostava em mim para aquela posição, quem era eu para dizer que não? E as coisas correram lindamente, ganhámos o jogo e a partir daí fui sempre a aposta dele para defesa-direito, mais ninguém jogou ali! Nem os outros, que eram mesmo laterais-direitos! Foi engraçado, gostei muito. Foi uma posição em que gostei de jogar porque eu sabia atacar, o que é importante para um lateral-direito, e aprendi a defender, ele ensinou-me os truques e as formas que nós temos para anular um extremo. E as coisas correram bem, a partir daí fui sempre lateral-direito. Na época seguinte comecei a titular, mas depois tive um problema muscular, tive ali um tempo parado e entretanto o Toni continuou e jogou mais.


QFS – Na terceira época volta a ser quase sempre titular outra vez como lateral, mas em termos coletivos acabou por ser uma época muito complicada – foi a última do Farense na I Liga…

C – Na altura em que o João Alves foi para o Farense, o clube foi comprado por um espanhol, o Hidalgo. Formaram a SAD e o Hidalgo era um dos accionistas mais a câmara. O presidente da SAD era deputado do PSD, um David qualquer coisa, e tinha sociedade com o presidente da câmara. Eles formaram uma empresa para formar a SAD do Farense, ficaram com 49 por cento e o Hidalgo 51. No último ano, quiseram comprar o resto ao Hidalgo e assim fizeram, porque ele queria desfazer-se daquilo tudo. Só que o PS perde as eleições esse ano e é o PSD que vai para lá, e a partir daí deixa de pôr dinheiro no Farense, porque o presidente da câmara de então (José Vitorino) não se dava com o tal David, apesar de serem do mesmo partido! Por isso, a partir de Dezembro não voltámos a receber ordenados. Estivemos o resto da época sem receber. E isso, por muito dinheiro que possamos ganhar, estar 6 meses sem receber é sempre complicado! Não há estabilidade... não há nada! No fim desse ano (2001), muitos jogadores saíram e depois acabámos por descer. Infelizmente, foi o pior ano do Farense, com muita pena minha.



QFS – De todas, qual foi a melhor temporada para si? 

C – Provavelmente a primeira, foi a mais conseguida - na segunda volta, porque a primeira não foi tão boa. A segunda (2000/01) foi melhor em termos classificativos (13º), uma época mais estável, sem tantos sobressaltos. E a terceira, pois... Aquilo a partir de Dezembro... Foi o descalabro.


QFS – Foi por essa razão que não continuou no Farense na época seguinte, na II Liga, e assinou pelo Felgueiras?

C – Sim, o Farense desceu e a partir daí era muito provável que continuasse a ter problemas. Nunca mais conseguiram estabilizar o clube. Mas o que me faz confusão é que os causadores dos problemas nunca aparecem. Quem aparece são os jogadores, eles é que vão dando a cara pelos clubes. Quando se tem sucesso, aparece toda a gente; no insucesso não aparece ninguém. É que a maior parte das pessoas que estão à frente dos clubes têm as suas profissões, têm negócios. E os jogadores não, a profissão deles é esta! Não podem ter dois trabalhos, não podem receber de outro sítio. Um jogador profissional não pode ter dois empregos, isto não é um part-time! E eles esquecem-se disso. E os jogadores é que sofrem sempre.


QFS – Ainda assim, parece que nos últimos anos as coisas têm melhorado nesse aspecto a nível geral.


C – Sim, já pouco se vai ouvindo em relação a isso. Provavelmente porque os ordenados pagos actualmente são mais baixos. Mas é preferível assim, ao menos conseguem pagar. Mas eu acho que, para um profissional de futebol, um ordenado de mil euros é pouco. Actualmente não sei como se faz, mas na altura os nossos contratos eram de 10 meses, ficávamos 2 meses sem receber. Se eu tivesse um contrato de 10 mil euros anual, recebia esse dinheiro em 10 meses. Um trabalhador normal, mesmo que ganhe 700 ou 800 euros por mês, ganha a 14 meses! Ou seja, vai ganhar mais que um profissional de futebol. O futebol mudou muito, e por isso a qualidade também baixou. Há jogadores na I Liga hoje que não jogavam na III divisão da minha altura! Os jogadores que estavam na II Liga ou mesmo na II B há 15 ou 20 anos... não tem nada a ver. Os ordenados são mais baixos e a qualidade é inferior. Os melhores estão nos melhores clubes ou saem para o estrangeiro, para ganhar mais. E depois os clubes como não podem pagar muito vão buscar jogadores apenas razoáveis, às distritais do Brasil, alguns que nem sabem dar um pontapé numa bola, não sabem estar dentro do campo... Por isso é que a qualidade baixou muito. É a minha opinião. E há aqui muita coisa por trás que tem a ver com os empresários. Um miúdo da formação não dá dinheiro a ganhar ao presidente; se vier um empresário com um brasileiro não sei de onde que diz "Se este gajo for vendido, ou jogar não sei quantos jogos, o clube ganha isto e você ganha aquilo"... Mas na altura também já acontecia isto, não é só de agora. É um negócio.


QFS – De qualquer forma, nota-se uma ligeira inflexão, já vão aparecendo alguns miúdos da formação nos plantéis principais...



C – O que é que custa um jogador da formação ao clube? Não custa nada! Ainda por cima hoje em dia os pais é que pagam as formações! Nos juvenis, nos juniores, têm de pagar os equipamentos, têm de pagar tudo! Nas escolas de futebol, os treinadores nem pagos são! Ganham à comissão, à cabeça dos miúdos que tiverem. A formação hoje em dia também peca pela qualidade. Antigamente havia 3 equipas: iniciados, juvenis e juniores. Só. De 40 miúdos, que apareciam nos treinos de formação, só ficavam os melhores. Os outros iam para os outros clubes mais fracos. Agora, se aparecerem 40 miúdos, ficam os 40! Por isso agora cada escalão tem as equipas A e B. Antigamente, se eras bom, jogavas, se não eras bom, não jogavas; agora não, joga toda a gente. O pai paga, tem de jogar! Isto mudou muito, hoje está muito diferente, e ou te adaptas ou sais! E eu escolhi sair, há muita coisa que não me entra na cabeça e com a qual não concordo. Por isso, prefiro estar de fora.

"No S. Luís mandávamos nós!”



QFS – Depois de sair do Felgueiras, regressou ao Algarve para mais 3 épocas, agora no Portimonense. Porquê?

C – Por gostar muito da região e pelo projecto desportivo. O Algarve ficou comigo, é a zona onde irei certamente gozar a minha reforma! Na altura quis voltar a ter essa qualidade de vida! E o Portimonense era outro clube grande do Algarve. O Farense é o primeiro - mesmo com o Portimonense estando acima neste momento, o Farense há-de ser sempre o clube mais importante do Algarve -, mas o Portimonense tinha um projecto para subir à I Liga.


QFS – E nessas passagens, tanto no Felgueiras como no Portimonense, voltou a jogar a avançado ou continuou como lateral?

C – No Felgueiras fui ponta-de-lança, marquei praí 10 ou 11 golos. Era o lugar onde me sentia melhor, onde gostava mais de jogar. Não foi difícil. E era a aposta do treinador, o Manuel Correia, que me levou mesmo para ponta-de-lança. Em Portimão era extremo ou jogava a médio. Joguei a muitas posições no Portimonense. Eu adaptava-me com facilidade e os treinadores às vezes pediam e eu jogava, um gajo quer é jogar (risos)! Também tive a "sorte" de apanhar sempre bons pontas-de-lança nas minhas equipas, e às vezes se não podia jogar ali, jogava noutro sítio, não dizia que não. 


QFS – Apesar dos objectivos iniciais, a verdade é que o Portimonense acabou por andar longe da subida nessas épocas.

C – Os objectivos no início são uma coisa, mas às vezes as coisas não correm como se espera. A equipa do Portimonense na altura... Tínhamos o Edmilson, que tinha jogado no Porto e no Sporting, o Artur Jorge Vicente, que também tinha jogado na I Liga... Tínhamos jogadores de topo, de I Liga. Mas as outras equipas todas também tinham! A qualidade era muito, era muito competitivo. E de tantas equipas a querer subir, só podiam subir duas...


QFS – Qual dos dois clubes gostou mais de representar: Farense ou Portimonense?

C – Gostei muito de representar os dois. Direi o Farense por ter sido o primeiro e também pelos colegas que apanhei lá e outras pessoas, como o Fernando Belo, fisioterapeuta na altura, uma pessoa que me deu um grande apoio. E foi aquela fase a seguir à minha lesão, foi o primeiro clube a seguir às paragens. E tem de subir de divisão! E que para o ano esteja na II Liga e a tentar chegar à I - embora haja sempre equipas muito fortes na II Liga. O Farense tem de se estruturar bem, ter uma boa base para, se houver um percalço e não conseguir subir, seja agora ou no futuro da II Liga para a I, não cair, conseguir criar um objectivo a 2 ou 3 anos. Se apostarem tudo num ano só e depois não é... pode ir por aí abaixo outra vez.


QFS – Na altura em que jogou no Farense recorda-se de sentir o chamado "inferno do S. Luís"?


C – Para as outras equipas? Claro que sim. Ali mandávamos nós! Apesar das dificuldades por que o clube passou, os sócios sempre apoiaram o clube e sempre foram aos jogos. Tentávamos sempre criar um ambiente de hostilidade para os adversários, para que quando entrassem no campo soubessem que quem mandava era o Farense!

QFS – Retirou-se no fim da época 2005/06, com 34 anos. Porquê?

C – Foi uma decisão minha, até mesmo a nível familiar. Havia sempre atrasos nos ordenados, mesmo em Portimão andávamos sempre com 2, 3 meses de ordenados em atraso. Estava fora de casa, a minha filha também estava numa altura em que precisava de estabilidade na escola e achei que estava na hora de acabar e tentar outra coisa.


QFS – O que guarda da passagem pelo Farense?

C – Da cidade, não tive problemas com ninguém. Colegas, adeptos, pessoas do clube, só tenho a dizer bem de toda a gente em Faro. Ainda hoje tenho amigos aí, cada vez que vou ao Algarve vou a Faro, pelo menos uma vez por ano, e ainda me reconhecem. Eu não guardo rancor a ninguém, e para mim Faro... Gostava de um dia voltar a viver aí. Mantenho contacto por exemplo com o Fábio Felício ou o Laranjo, que jogou comigo em Faro e em Portimão.

QFS – Para quem nunca o viu jogar, como se definiria enquanto jogador?

C – Era rápido, tecnicamente também era bom. O meu ídolo era o Bergkamp. Eu não era igual a ele, claro (risos), mas era o jogador que eu gostava muito de ver jogar e tinha uma forma de jogar um bocado parecida. Jogava bem de cabeça, também, e adaptava-me bem a qualquer lugar.



QFS – Quais os melhores jogadores com quem jogou na carreira?

C – No Farense, o Hajry era um craque. O Hassan, um verdadeiro ponta-de-lança, finalizador, rebentava com uma defesa. O Vítor Manuel, bom médio-centro, médio-direito, muito bom tecnicamente, punha a bola onde queria. Um gajo pequenino que era o Besirovic, também muito bom tecnicamente, bom jogador. O Marco Nuno, rápido, quase que voava! O Quinzinho também era muito bom, fazia a diferença. O Carlos Costa, o Miguel Serôdio, bons centrais. Alguns espanhóis que vieram também muito bons. Foram anos muito bons, com bom ambiente. Havia muitos jogadores com muitos anos de Algarve, de Faro, algarvios, que transmitiam a mística. Fora do Farense... no Boavista apanhei excelentes jogadores. Timofte, Jorge Couto, o Ricardo, Pedro Emanuel, tudo craques. No Estoril também, Marco Paulo, Martins, Borreicho, Calçoa, Litos... Pauleta, claro, esse nem é preciso mencionar (risos)! No Portimonense, o Edmilson... Foram muitos.


QFS – E treinadores? Quem mais o marcou?

– Ismael Díaz, por me ter ensinado o que ensinou numa fase difícil da minha carreira e ter apostado em mim e me ter ajudado muito. E porque acho que era bom treinador, vinha com outras ideias, tacticamente muito bom. Depois, João Alves, Carlos Manuel que me ensinou muito no início da carreira. Na formação, o Vítor Móia também me ensinou muito quando passei de júnior para sénior. Todos os treinadores têm a sua importância.


QFS – Houve algum com quem não tenha gostado de trabalhar?


– Haver houve, mas não vou dizer quem foram (risos)! Um bom treinador não quer dizer que seja uma boa pessoa, e vice-versa. É difícil conjugar as duas coisas, às vezes um bom treinador tem de tomar decisões de que nem todos gostam, é mesmo assim. E se calhar os treinadores que são bons como pessoa e bons treinadores não têm carreiras como poderiam ter... E fico-me por aqui.


QFS – Ainda apanhou, na última época, o Paco Fortes, um nome lendário na história do Farense...


– Sim, mas já estava na fase final da carreira, já não era o mesmo de antes. E a situação do clube também não ajudou.


QFS – Depreendo, por respostas anteriores, que ficou com o Farense no coração...

C – Sim, claro. Eu sou de Almada, o meu clube desde pequenino é verde e branco (risos). Não sou sócio, não sou fanático, mas o meu clube do coração é o Sporting. Mas posso dizer que neste momento dou mais importância a esta decisão da subida do Farense do que ao Sporting-Benfica, por exemplo. Para mim, é igual o lugar em que o Sporting terminar. Se houvesse um Farense-Sporting agora, não ficava nada dividido: era Farense!


QFS – Por fim, pedimos que deixe uma mensagem para os adeptos do Farense.

C – Não deixem de acompanhar o clube. De certeza que vai haver muita gente em Felgueiras, como eles são, de certeza que vão lá acima! E que apoiem muito, para ver se no próximo ano estão a disputar a II Liga!